Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As fotos polêmicas de Paris ocupada

Revisionismo histórico através de imagens edulcoradas ou imagens raras e preciosas de uma época pobre em fotos coloridas?


Pode-se fazer uma exposição de fotos de uma Paris bela, quase normal, quando alguns franceses arriscavam a vida na resistência clandestina?


Pode-se mostrar Paris em 1941, sob ocupação nazista, como se fosse uma cidade descontraída, uma Paris de cartão postal, com elegantes nas corridas de cavalo de Auteuil e o cotidiano normal de bairros chiques como o Champs Elysées ou populares como o mercado Les Halles?


Uma imagem vale mais que mil palavras, segundo o velho refrão. Foi por isso que a ambigüidade de algumas fotos coloridas explodiu como uma bomba nesta primavera parisiense, dando origem a um debate intenso sobre o poder da fotografia e sua relação com o real.


A exposição ‘Des Parisiens sous l´Occupation’ (Parisienses sob a Ocupação) é a primeira de fotos de André Zucca (1897-1973) na França. O próprio nome já foi mudado por causa do debate suscitado. A mostra se chamava ‘Les Parisiens sous l´Occupation’ (Os parisienses sob a Ocupação), o que já parecia uma intenção de mostrar que ali se viam não alguns, mas os parisienses em geral.


Escolhidos a dedo


As belas fotos coloridas que deram origem à acalorada polêmica na imprensa envolvendo jornalistas e intelectuais mostram pessoas que entram e saem do metrô, freqüentam cinemas e bebem nas varandas dos cafés. Ao mesmo tempo, elas ocultam a trágica realidade dos resistentes torturados e mortos, os horrores da guerra, a perseguição dos judeus. Há apenas duas fotos em que são vistos um homem e uma mulher com a estrela amarela no peito, caminhando pelas ruas do Marais, tradicional bairro judeu, onde fica a Biblioteca Histórica da Cidade de Paris que desde março expõe as 270 fotos de Zucca.




Os críticos da exposição concordam com o valor documental das fotos, mas defendem que sejam mostradas acompanhadas de debates e conferências em torno do uso da imagem de propaganda durante a guerra. Para informar e deixar claro que as fotos de Zucca foram encomendadas pelos nazistas para publicação na revista alemã Signal, célebre pela qualidade da fotografia, mas acabaram não sendo publicadas. Isto para que não haja dúvida de que são fotos de propaganda, já que a revista era diretamente ligada a Joseph Goebbels. E para que não se pense que são de um fotógrafo que passeava por Paris fotografando o cotidiano da cidade.



A prefeitura organizou imediatamente debates e conferências públicas em torno do tema da comunicação visual e da fotografia de propaganda.


Por saberem o valor das imagens, os alemães controlavam estreitamente as ruas. O ‘privilégio’ de fotografar a cidade era dado a fotógrafos escolhidos a dedo. As fotos em preto e branco dessa época, pouco numerosas, foram feitas por fotógrafos sob estreito controle. E os caros filmes Agfacolor, ainda mais raros, eram fornecidos somente a poucos fotógrafos credenciados, como Zucca.


Colaboracionismo e Pétain


A França ainda não acabou de ajustar contas com o passado ligado à Ocupação alemã e ao colaboracionismo com o ocupante nazista, simbolizado pelo general Henri Philippe Pétain (1856-1951). A prova disso é a exposição de Zucca.


As fotos têm grande valor histórico. Mas expostas com pouco texto e legendas sucintas geraram mal-estar e críticas, pois mostram uma cidade ocupada que parece descontraída e elegante com um invasor poderoso mas em nenhum momento brutal. Onde está o ocupante que se vê no cinema, representado por bestas-feras violentas e arrogantes?


Algumas fotos mostram os soldados alemães, mas o que se vê é uma ocupação light, com tropas descendo a Avenida Champs Elysées depois da troca diária da guarda do Arco do Triunfo, a Rue de Rivoli enfeitada com a bandeira do Reich, ou ainda soldados misturados aos civis franceses fazendo compras no Mercado das Pulgas.


Foram essas imagens de uma vida quase normal que chocaram e abriram o debate. O mal-estar foi causado por fotos pretensamente documentais feitas, na realidade, por um fotógrafo colaboracionista.


A viúva do filho de Zucca, Sylvie Zucca, chegou a dizer a um jornal que seu marido pensava que o pai ‘era mitômano e anti-semita’.


André Zucca foi um dos mais ativos fotógrafos da imprensa de antes da guerra e trabalhou como repórter especial de grandes revistas como Life e Paris-Match. Ele cobriu o início da guerra para France-Soir.


No fim da guerra, Zucca foi julgado por colaboração com o ocupante mas não foi condenado à morte, como tantos outros colaboracionistas notórios. Mudou de nome, de cidade e morreu longe de Paris.

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Jornalista