Em meio à sua propalada decadência, o Jornal do Brasil vem apresentando, entretanto, um fenômeno que merece registro: a maior parte de seu material noticioso concentra-se em alguns colunistas, em vez de editorias especializadas. Não são notícias irrelevantes. Na coluna de Ricardo Boechat, por exemplo, ficamos sabendo, há algum tempo, que uma empresa mineira estava excluindo trabalhadores negros em favor de gente de pele clara trazida, aos magotes, de estados do sul do país. Esta notícia não apareceu em nenhum outro jornal ou em qualquer editoria preocupada com questões sociais.
Seria fastidioso enumerar casos. Mas pode ser pertinente destacar alguns, a fim de se chamar a atenção para a natureza particular de fatos que poderiam desdobrar-se jornalisticamente, mas que não encontram lugar nas editorias convencionais.
Assim, pela coluna de Hildegard Angel, ficamos informados de que ‘já são mais de 160 as emissoras da rede nacional de rádio criada por Anthony Garotinho, para que ele possa se comunicar com o Brasil inteiro. Estima-se que a pregação já esteja atingindo diariamente a mais de três milhões de pessoas’ (1º./6/2005).
A informação foi secundada, dias mais tarde, pela coluna de Ancelmo Góis em O Globo, mas não repercutiu onde normalmente deveria, ou seja, na editoria política de qualquer jornal.
‘Desejo de verdade’
Há algo de ao mesmo tempo antigo e moderno nesse fenômeno. O antigo é que historiadores do texto impresso (Robert Darnton, por exemplo) mostram o quanto as primeiras formas do jornalismo europeu eram caracterizadas por pequenas notas, que cobriam uma gama ampla de assuntos, frívolos ou não. O moderno é que, depois de toda uma tradição publicística (argumentação política e moral em favor de causas públicas), o jornalismo tem hoje um acentuado tropismo para o efêmero, inscrito na ordem do consumo. Em outros termos, a mídia não seria mais ‘ventríloqua’ da comunidade nacional, e sim intérprete de si mesma enquanto boca orgânica do mercado.
É isto o que leva analistas norte-americanos, como Eric Alterman, a denunciar ‘o espantoso grau de ignorância e/ou apatia partilhado por muitos americanos com relação à vida pública e às questões políticas’. De fato, o entretenimento e os serviços de consumo ganham o primeiro plano das atenções, de maneira que, seja nos Estados Unidos ou tendencialmente em outros países, dá-se o fenômeno da propagação de uma forma de notícia ‘que se relaciona mais com frivolidade e parques temáticos do que a idéia vetusta de público e vida cívica’.
Resta, no entanto, uma consciência ativa para a qual o jornalismo deve pautar-se por uma responsabilidade publicística e não apenas mercadológica. É pelo menos o que transparece no fenômeno da disseminação da autocrítica jornalística, seja por iniciativa de grandes jornais, seja por parte de comentaristas, individuais ou organizados em formas análogas à deste Observatório da Imprensa. Para estes, tudo levaria a crer que já se passou o tempo em que a atividade jornalística podia ser concebida como limitada à elaboração do produto/noticia, com os melhores recursos técnicos disponíveis, dentre os quais o talento e o ‘desejo de verdade’ atinente à consciência moral ou deontológica de um profissional.
Fórmulas saturadas
É claro que esses pressupostos continuam a ser cívica e politicamente desejáveis, mas o agigantamento da função informacional e sua quase coincidência com o tecido orgânico da própria sociedade conduzem à reivindicação ético-política de uma práxis – elaboração teórica simultânea à aplicação técnica – propriamente jornalística.
Por tais motivos, pode ser considerado um retrocesso sustentar hoje o noticiário de um grande jornal diário em colunas assinadas, cujo material informativo, por mais interessante que possa ser, compõe-se de estilhaços ou fragmentos de informação.
Não se trata de apontar a superficialidade das ocorrências noticiadas, uma vez que, a exemplo das duas notas citadas (a exclusão de operários negros e a rede radiofônica de Garotinho), as colunas são capazes de chamar a atenção para fenômenos a cujo largo passam, descuidadas, as pautas regulamentares das editorias especializadas.
Trata-se, sim, de indicar a insuficiência desse tipo de informação, no momento histórico de saturação das velhas fórmulas jornalísticas e de crise de sua credibilidade.
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Jornalista, escritor, professor-titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro