Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As notícias que não se cruzam

A BBC News parece ter sido o único veículo de toda a imprensa internacional que produziu a informação de que os governos não conseguirão cumprir a meta de reduzir a perda de espécies animais e vegetais até 2010, fixada pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB). No Brasil, alguns portais, como Globo Online, G1 e Agência Estado, reproduziram a matéria ‘Governos devem fracassar em meta de biodiversidade, dizem especialistas’, divulgada no país pela BBC Brasil.


Presente em Barcelona ao Congresso Mundial da Conservação, promovido pela ONG IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza), o repórter Richard Black entrevistou dez representantes de instituições de pesquisa, ONGs e órgãos multilaterais. Segundo o jornalista, todos eles afirmaram que os governos não conseguirão cumprir a meta de




‘Atingir até 2010 uma redução significativa no atual índice de perda de biodiversidade a nível global, regional e nacional, como uma contribuição para a redução da pobreza e para o benefício de toda a vida na Terra.’


Essa meta integra o Plano Estratégico estabelecido na 6ª Conferência das Partes da CDB, realizada em abril de 2002, em Haia, na Holanda. De acordo com a reportagem de Black,




Nem todos os especialistas questionados pela BBC quiseram tornar públicas suas opiniões e alguns dizem que há certa relutância em `envergonhar´ os governos sobre seus fracassos nessa questão. Outros sugerem ainda que a meta já não era `atingível´ quando o documento foi assinado, há seis anos.
Ahmed Djoghlaf, secretário-executivo da CBD, disse à BBC que a meta para 2010 só seria cumprida através de ações de urgência dos governos, o que `segundo todos os indicadores, seria pouco viável´’.


Resgate da notícia


Assim como a notícia da BBC News, a declaração de Djoghlaf merece ser relacionada a um fato recente do Brasil, que foi a lista das espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção, divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 19/09/2008, com 472 espécies. A lista anterior, de 1992, tinha 108 espécies. Mas houve um desentendimento entre o MMA e a instituição que pesquisou os dados, a Fundação Biodiversitas, que contestou a relação oficial e afirmou que já havia 1.495 espécies ameaçadas na lista entregue por eles ao governo em dezembro de 2005, conforme mostraram algumas reportagens, como ‘Ministério lista 472 espécies de plantas ameaçadas’, da Agência Estado, e ‘Flora ameaçada racha governo e biólogos’, da Folha de S. Paulo, segundo a qual…




‘O ministro [Carlos Minc, do MMA] também usou a falta de estrutura do ministério como argumento. `Eu me pergunto se temos capacidade de fiscalizar essas 472 espécies. Incluir mais mil é, aparentemente, mais defensivo, mas vulgariza e cria um número que não teremos condições de fiscalizar´, disse.
A Fundação Biodiversitas contestou. `Nossa avaliação é biológica, não é política. O ministério tem uma lista política; nós, uma científica´, afirmou Gláucia Drummond, que disse lamentar a divulgação da lista e a `falta de diálogo´ com o ministério’.


Sediada em Belo Horizonte, a Biodiversitas teve para seu estudo a colaboração de 299 pesquisadores de diversas instituições de pesquisas brasileiras e estrangeiras. Há motivos de sobra para resgatar a notícia anterior em função da atual, da BBC News, e apurar se o MMA teve ou não razão em sua decisão. Até a data desta postagem, o site da fundação mineira não apresentava nenhuma manifestação sobre sua discordância com o MMA.


No final das contas, são notícias que, como tantas outras, não se cruzam.

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Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, editor do blog Laudas Críticas