Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As pesquisas e a lógica da mentira

Até poucas décadas atrás um número espantosamente alto de pessoas de todas as partes do mundo acreditava que Adão e Eva teriam sido os primeiros seres humanos a caminhar sobre a Terra. Esta seguramente não é a mentira mais antiga de que se tem notícia, mas me parece possível afirmar que é a mentira sobre o fato mais antigo que já foi inapelavelmente comprovada. Penso que foi engendrada porque era preciso oferecer à humanidade uma explicação para sua própria existência e foi acreditada porque, à época de sua concepção, era ‘verossímil’.

Esse é o tipo de mentira que chamo de ‘fria’, ou seja, uma mentira premeditada, construída de forma a ser facilmente aceita pelos seus componentes de verossimilhança e de confortabilidade. As pessoas acreditam muito mais facilmente no que querem acreditar. E se aquilo que se oferece a elas se coaduna com suas idiossincrasias, tanto melhor. É o oposto da mentira ‘quente’, elaborada às pressas, no calor dos acontecimentos e sem reflexão.

A crise política em que está imerso o país vem sendo alimentada por verdades e, sobretudo, por meias verdades, mas, até agora, suspeito de que os meios de comunicação construíram apenas uma mentira íntegra (no sentido de inteira, pois não há outro tipo de integridade na mentira). Estou falando das pesquisas de opinião sobre a disputa eleitoral da presidência da República que ocorrerá no ano que vem. Quero, pois, compartilhar fortes suspeitas que me vêm assaltando de que esteja havendo falsificação dessas pesquisas.

Empate técnico

Comecei a suspeitar disso depois da divulgação pela edição 1871 da revista Isto É de 24 de agosto de 2005 de pesquisa Ibope realizada entre 13 e 17 de agosto que mostrava grave disparidade entre essa pesquisa e a pesquisa Datafolha publicada em 12 de agosto pelo jornal Folha de São Paulo. A pesquisa Ibope da IstoÉ revelou que Lula e José Serra estariam em situação de absoluto empate técnico num eventual segundo turno das eleições do ano que vem, pois ambos teriam 41% das intenções de voto. Isso apesar de que a pesquisa Datafolha havia mostrado, poucos dias antes, que na disputa em questão o tucano derrotaria o petista por 48% a 39%.

Contudo, outra pesquisa Ibope, realizada entre os dias 18 e 22 de agosto, foi divulgada imediatamente em seguida àquela realizada entre 13 e 17 de agosto (que não ganhou destaque igual no noticiário) e publicada pela IstoÉ. Nessa pesquisa imediatamente posterior, Lula caiu 3 p.p. e Serra subiu 3 p.p., o que gerou uma diferença de 9 p.p. entre os dois possíveis candidatos, a favor de Serra. Só que essa mudança enorme de humor da população ocorreu em inacreditáveis 4 dias (?!).

Até aí já haveria elementos mais do que suficientes para despertar fortes suspeitas. Porém, a esses fatos vieram somar-se outros que praticamente eliminaram-me as dúvidas de que algo de muito errado está acontecendo com as pesquisas de opinião. No dia 13 de setembro, portanto bem depois da pesquisa Datafolha e da segunda pesquisa Ibope de agosto, pesquisa CNT-Sensus indicou que haveria empate técnico num eventual segundo turno entre Lula e Serra. Agora, num segundo turno da eleição presidencial do ano que vem entre Serra e Lula, este teria 37,9% dos votos contra 37,5% do prefeito de São Paulo.

Datafolha ausente

Não bastando tudo isso, pesquisa CNI-Ibope divulgada na semana passada, além de misteriosamente só ter feito simulação da eleição presidencial em primeiro turno, no dia da divulgação da sondagem a mídia em geral, distorceu os dados apurados sobre a popularidade de Lula ao compará-los, em vez de com os dados de agosto, com os dados de junho (!!??). Assim, apesar de a pesquisa ter mostrado estabilidade da aprovação e da reprovação do presidente da República, a mídia divulgou que a aprovação dele teria ‘despencado’.

A lógica que fundamentaria a construção de fraude dessa monta pelos mesmos veículos de mídia que vêm sofrendo acusações de todos os lados de facciosismo pró-PSDB/PFL reside no inconformismo que até o mês de julho tomou o colunismo político engajado porque, até então, as pesquisas teimavam em não recompensar com resultados pró-tucanos/pefelistas os ataques cada vez mais furiosos da mídia ao governo. O colunista político Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, chegou a classificar aquelas pesquisas como ‘jorro de água fria’.

Para finalizar, quero lembrar um fato que provavelmente deve estar passando batido para a maioria da opinião pública mais esclarecida: neste mês de setembro que vai terminando nenhuma pesquisa Datafolha sobre a imagem do governo federal e de seu titular e sobre a eleição presidencial do ano que vem foi divulgada, o que, devido a tudo o que escrevi acima, faz pensar que isso pode ser creditado a não haver números desfavoráveis ao governo para serem difundidos.

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Comerciante, São Paulo