Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As réstias mórbidas da mídia sensacionalista

Enquanto os políticos brincam de fazer referendo, consulta popular, plebiscito, no calor da última tragédia, ao custo básico de 300 milhões, afora as porcentagens pessoais, claro, nossas crianças vão morrendo, nossos amigos vão morrendo. Não tarda, seremos nós a perder a vida, ou parte dela, numa emboscada qualquer, numa saidinha bancária, num sequestro-relâmpago. Diante das crianças mortas, no Rio de Janeiro, mais uma vez eles pularam à frente das câmeras de TV, com suas caras puídas pela dor alheia, as pálpebras baixas e um fiapo de lágrima guarnecendo o último cílio, para reafirmar à população a necessidade de rever isso, de fazer aquilo, criar uma comissão de…, uma força de segurança para…, quiçá mudar a lei, ou encobri-la com uma cortina de fumaça.

Sim, chamem os bombeiros, o bispo, o prefeito e o cabo, o mais novo herói das crianças brasileiras. Vamos transformar a escola onde foram assassinadas as crianças num espaço sagrado, diz um deles, enquanto o outro, ao lado, enxuga com um lencinho de papel o cílio orvalhado de emoção. E todos se dão as mãos para dar uma volta à escola – recém-eleita casa de peregrinação – e abraçá-la. O telespectador chora. Algum tem até vontade de cometer o mesmo ato insano, diante da glamourização. Certamente o fará.

E todos correm ao dicionário para redefinir o bullying, a causa mais provável que ateara o mal ao coração do monstro, que fora posto de ponta-cabeça dentro de uma privada… Além disso, o rapaz tinha um guia espiritual, era adepto daquela religião, e afundado no pântano das próprias faculdades, as mentais, como sugere um repórter mais arvorado a buscar uma notícia exclusiva. Pronto, agora toda a gente está apta para assistir aos vídeos que ele nos deixou, como prova inconteste das suas razões. O que descobriram? Nada. Nada. Nada. Apenas que a imaginação era a sombra póstuma de sua loucura.

Insegurança, desesperança e medo

Que fazer agora? Agora é esperar pelas ações governamentais e as réstias mórbidas da mídia sensacionalista que transformou mais um demente em personagem eterno da história.

Referendo, plebiscito, consulta não nos trarão a paz. Muito menos Deus nos ouvirá as súplicas para que os bandidos, os marginais, os loucos simplesmente devolvam suas armas ao Estado em troca de alguns tostões. Sequer ouviu os gritos das crianças. O Estado, sim, tem a obrigação de nos oferecer proteção. Mas só nos tem oferecido a insegurança, a desesperança, o medo.

Graças a Deus!

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Escritor, Salvador, BA