Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As (ir)responsabilidades da imprensa

Todos nós, os jornalistas e a sociedade, temos uma lição para tirar da ‘barriga’ de alguns veículos de comunicação no último 20 de maio, quando mantiveram no ar e nos sites, por cerca de 15 minutos, a notícia errada de que um avião da Pantanal teria caído em plena cidade de São Paulo, ao lado de Congonhas – trazendo a terrível lembrança do acidente ocorrido no ano passado.

A história aconteceu assim. Por volta das 17h começou um forte incêndio numa loja de colchões na Av. Santo Amaro, atrás da pista do Aeroporto de Congonhas, provocando muita fumaça nos céus. Naquele momento, um avião da companhia aérea Pantanal estava taxiando na pista. O piloto viu a fumaça e alertou a torre de controle do tráfego aéreo de Congonhas. Procedimento normal de segurança, não apenas para alertar o Corpo de Bombeiros, mas porque esse tipo fumaça pode prejudicar o pouso e a decolagem de aviões.

Ocorre que, como diz o ditado, ‘quem conta um conto aumenta um ponto’ e, não se sabe como, essa conversa radiofônica a que poucos têm acesso acabou indo parar na imprensa como a notícia bombástica de que um avião daquela companhia aérea se espatifara contra um prédio em Congonhas. É muito difícil saber como isso aconteceu – a conversa de rádio pode ter sido interceptada por algum piloto ou rádio-amador que, provavelmente, contou para outra pessoa e, sabe-se lá como, através de uma cadeia de contadores de histórias chegou de forma distorcida a alguma redação jornalística.

‘Dá para ver as chamas…’

Parece que o primeiro veículo a divulgar a falsa notícia foi a Rádio Jovem Pan, que estaria com um helicóptero sobrevoando a área. Menos de cinco minutos depois, a GloboNews já colocava no ar, ao vivo, imagens das chamas, noticiando o acidente aéreo. Ato contínuo, alguns sites de notícias reproduziram a notícia com destaque, entre eles Globo Online, UOL e iG. Não tenho a ‘contabilidade’ exata de qual veículo fez o que em cada momento. Mas, ao que tudo indica, vários deles cometeram um pecado capital do jornalismo, no Brasil e em qualquer parte do mundo: publicaram uma notícia, neste caso de grande impacto social e econômico, sem ter confirmação.

Eu estava na rua, em São Paulo, com minha coordenadora de assessoria de imprensa, esperando o carro que nos buscaria e que ficara preso num engarrafamento-monstro. O primeiro telefonema veio de um jornalista da GloboNews em Brasília: ‘Você está sabendo que caiu um avião da Pantanal em Congonhas? Estamos mostrando as imagens da fumaça ao vivo!’ Começamos uma frenética troca de telefonemas para tentar apurar algo. Foram 10 a 15 minutos de total tensão que eu e ela compartilhamos por telefone com duas dúzias de pessoas em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Já começávamos a nos preparar para correr até Congonhas e segurar a emoção para ter um comportamento minimamente profissional diante de cenas de tragédia humana, daquelas que jamais esqueceríamos pelo resto de nossas vidas.

O que aconteceu nesses poucos minutos dá uma idéia do que uma notícia errada pode causar.

De imediato, liguei para nosso gerente regional, que estava em Congonhas. Não sabia de nada – o que soou estranho, pois deveria ser um dos primeiros a saber. Ele é uma figura-chave na administração da aviação civil em São Paulo, em contato permanente com o controle de tráfego aéreo da Aeronáutica, com a administração do aeroporto e com as companhias aéreas. Três minutos depois ele me retorna a ligação, com voz embargada: ‘Não acredito, dá para ver as chamas, que coisa terrível… ainda não tenho informações, volto a te ligar.’ Ele já vivera a experiência horrível do último acidente em Congonhas – estava numa reunião em sua sala e viu o avião passar rápido, segundos antes de se estraçalhar na rua vizinha ao aeroporto.

Alarme falso

Ligamos para nossa área de prevenção de acidentes, para a Comunicação da Aeronáutica – que também não sabia de nada, igualmente estranho. Ligamos para os diretores da Anac. Todos, estarrecidos, se puseram a postos para pegar o primeiro avião para São Paulo tão logo tivéssemos mais informações. No Ministério da Defesa, a assessora de comunicação interrompia a agenda do ministro Nelson Jobim para avisá-lo do ‘acidente’.

O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins, ligava para a Aeronáutica porque uma emissora de TV espanhola pedia um porta-voz, fluente em espanhol, para explicar o ‘acidente’. Na assessoria de comunicação da Anac, em Brasília, minha equipe recebia ligação de um veículo de imprensa do Japão querendo noticiar o ‘acidente’. Depois, soubemos que as imagens da GloboNews, mostrando fumaça e destroços da suposta tragédia, já estavam sendo retransmitidas pela TV em outros países com a informação do ‘acidente aéreo’.

Nos nossos celulares, choviam ligações de repórteres da Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, TV Globo, agência Reuters, todos querendo detalhes, mais informações e a gente não tinha ainda nada. O que era normal – as autoridades do setor souberam do ‘acidente’ pela imprensa havia poucos minutos e estavam tentando entender o que acontecia. Não havia confirmação oficial.

Até que, cerca de 15 minutos depois de receber o primeiro telefonema da GloboNews, nosso colega da comunicação da Aeronáutica me liga e diz, taxativamente: ‘Não é verdade! Não caiu nenhum avião, parece que foi apenas uma explosão de botijão de gás’. Por uma fração de segundo, custei a acreditar. A imprensa tem uma credibilidade e uma força incríveis, será que todo mundo tinha errado de forma tão extraordinária? O telefonema seguinte veio da Anac, com a confirmação: era alarme falso, não havia nenhum acidente aéreo.

Matéria-prima da democracia

Foram-se mais 10 a 15 minutos de novos telefonemas rápidos e ansiosos para alertar a todos da versão real. A imprensa brasileira errara, deixara o mundo em polvorosa e começava a corrigir a informação nos sites, rádios, TVs e agências de notícias.

Quando a coisa começou a acalmar, minha coordenadora me alertou: ‘Tem que chamar a atenção da GloboNews, eles não podem divulgar uma `barriga´ como essa’. Ela tinha razão. Liguei para o primeiro jornalista que me telefonara e questionei por que eles não confirmaram antes com a Aeronáutica. Ele não soube me explicar, estava tão atordoado quanto eu, disse apenas que fora tudo muito rápido, eles estavam com as imagens e a notícia do acidente, precisavam botar no ar imediatamente e, ao mesmo tempo, fizeram um mutirão, cada um ligando para um órgão, para obter mais informações. Não sei qual foi a fonte da notícia, mas a redação da GloboNews confiou e publicou, não só para o Brasil mas para outras TVs do mundo.

O que levou veículos sérios e que fazem um bom trabalho, como GloboNews e a Jovem Pan, a esse erro? Arrisco um palpite: a ânsia de sair na frente, de dar em primeira mão uma notícia ‘espetacular’.

Fica a lição. Notícia é coisa séria, não podemos descuidar nem um minuto de sua veracidade. No setor de aviação, temos um dilema parecido: qualquer erro pode ser fatal.

O Brasil precisa de veículos de comunicação fortes e competentes, como a GloboNews e a Jovem Pan. Mais importante do que procurar culpados, é fortalecer esses veículos, corrigindo o erro e evitando sua repetição. Dever de casa para as direções de redação.

Informação é a matéria-prima da democracia, é com ela que as pessoas tomam decisões. Divulgar informação correta é a responsabilidade maior do jornalista e da imprensa. E você, leitor, tem o dever de cobrar isso de nós, jornalistas.

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Chefe da Assessoria de Comunicação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)