Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As prisões e a política como espetáculo

Oito anos depois de eclodir o escândalo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os condenados na Ação Penal 470 devem começar a cumprir as penas imediatamente. Dos 25 réus considerados culpados no esquema de pagamento a parlamentares em troca de apoio no Congresso Nacional, 12 tiveram a ordem de prisão expedida. Ex-dirigentes do PT, como José Genoíno, José Dirceu e Delúbio Soares, e o operador do esquema, o publicitário Marcos Valério, entre outros, se entregaram às autoridades. O ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, fugiu para a Itália e é considerado foragido.

A determinação do Supremo ocorreu durante o feriado de 15 de novembro. Os condenados foram enviados para presídios em Brasília e as prisões ganharam amplo espaço na mídia nacional e internacional.

Alguns juristas apontaram que a ida dos condenados para prisões distantes da região onde vivem fere a Constituição. Colunistas anotaram que a ação foi um espetáculo de marketing, e destacaram que a imprensa fez estardalhaço em torno do voo que levou os condenados para a capital federal. Um grupo de intelectuais e petistas lançou um manifesto com mais de 140 assinaturas condenando o “açodamento” e a “ilegalidade” das prisões. Para eles, o “desfile aéreo” teve “forte apelo midiático”. O texto também ressalta que a “solução midiática” da ida dos condenados para Brasília poderia colocar em risco a saúde do deputado José Genoino, operado recentemente de um sério problema cardíaco. Pouco depois de chegar ao complexo penitenciário da Papuda, Genoino sentiu-se mal e foi hospitalizado. O deputado já teve alta e fará o tratamento fora da cadeia.

O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (26/11) pela TV Brasil discutiu a postura da mídia diante da prisão dos condenados no processo do mensalão. Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro os jornalistas Janio de Freitas e Marcelo Beraba.

Colunista da Folha de S.Paulo, Janio editou e dirigiu o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã e a Última Hora. Recebeu, entre outros prêmios, o Esso de Jornalismo e o Prêmio Internacional Rei de Espanha. Beraba é diretor da sucursal de O Estado de S.Paulo no Rio de Janeiro e dirige a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Trabalhou em O Globo, no Jornal do Brasil e na TV Globo. Na Folha de S.Paulo foi secretário de Redação, diretor da sucursal no Rio de Janeiro e ombudsman. Em São Paulo, o programa contou com a presença do jornalista Marcelo Coelho, que assina uma coluna semanal no caderno “Ilustrada”, da Folha de S.Paulo. Coelho é membro do conselho editorial do jornal e mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP).

O passado como exemplo

Antes do debate ao vivo, em editorial, Dines traçou um paralelo entre o desfecho do mensalão e a morte do assassino do ex-presidente dos Estados Unidos John Kennedy, ocorrida há 50 anos. “Lee Oswald foi morto ao ser apresentado pela polícia aos jornalistas logo após a sua prisão. Na confusão armada pela legião de repórteres, fotógrafos e operadores de tevê que circulavam livremente pelo recinto da delegacia, o assassino Jack Ruby aproximou-se do acusado e o matou a queima-roupa. No relatório da Comissão de Inquérito presidida pelo então presidente da Suprema Corte, Earl Warren, consta expressamente uma severa crítica à complacência da polícia de Dallas ao expor desnecessariamente um suspeito entregue ao estado para ser julgado”, lembrou Dines. O jornalista contou que a postura da Justiça americana diante da imprensa mudou drasticamente após este caso.

Dines perguntou como Janio de Freitas vê o “carnaval” que a mídia promoveu em torno da prisão dos condenados no processo do mensalão. Ele lembrou que jornalistas tentaram entrar no avião que levava os mensaleiros a Brasília. Para o colunista, houve uma combinação de fatores que levaram a essa situação. “Há uma evidente tendência na atual maneira de fazer jornalismo brasileiro para buscar o sensacionalismo, para dar um ingrediente a mais que é fabricado na elaboração da notícia”, disse Janio. Ele apontou também que há uma “indisposição” da mídia em relação ao PT, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, recentemente, ao ex-ministro José Dirceu. Janio acredita que toda essa antipatia acabou contaminando a figura do deputado José Genoino, que até então contava com a boa vontade da imprensa. O jornalista avalia que essa combinação foi lamentável, mas funcionou bem para quem queria o sensacionalismo. Enquanto a mídia eletrônica buscava o estardalhaço, os jornais impressos do dia seguinte à prisão tiveram uma postura sóbria, na avaliação do colunista.

“A televisão foi espetaculosa nesse dia e talvez em um ou outro dia no decorrer do processo. Com bastante razão para isso, porque era uma coisa espantosa: de repente, estar aquele grupo de pessoas de classe social e inserção política muito elevada [indo] para a cadeia, no avião da Polícia Federal”, sublinhou Janio de Freitas. “De outra parte, bastante diferente, é, a meu ver, a conduta da imprensa no decorrer de todo o processo. O que eu quero dizer é o seguinte: a televisão fez uma cobertura – ainda que talvez exagerada, desnecessariamente excessiva – factual, jornalística. Mas a cobertura da imprensa durante todo o processo, desde a primeira denúncia do Roberto Jefferson, tem uma conotação ideológica muito nítida. É muito clara a acentuação da conduta jornalística, nesse caso, pelo fato de se tratar do PT.” A incapacidade de a imprensa conviver com o governo PT acentuou a contaminação ideológica da mídia, na avaliação do jornalista.

Isenção e ideologia

Marcelo Coelho ressaltou que a palavra “circense” é muito forte para ser aplicada ao desempenho da mídia após a determinação de prisão expedida pelo STF. Por outro lado, o comportamento dos ministros durante o julgamento teve ingredientes de teatro, com inúmeras cenas de bate-boca. “O que eu vi de mais espetacular nessa cena da prisão não foi nenhuma cena do Genoino ou o José Dirceu algemados, mas a cena dos dois com o braço levantado numa demonstração de combatividade, de convicção. E o que os jornais publicaram nas primeiras páginas foi aquela foto do Genoino com o braço levantado, o punho cerrado, uma foto que se o jornal fosse a favor do Dirceu e do Genoino não teria sido diferente”, avaliou o colunista da Folha.


“A opinião pública tem uma certa sede sanguinária em relação a qualquer político que esteja em maus lençóis. Eu acho que houve excessos da parte de alguns articulistas e comentaristas, e houve uma divisão da opinião pública de certa forma”, disse Marcelo Coelho. Ele contou que a Folha de S.Paulo recebeu mensagens de leitores insistindo que o mensalão não ocorreu, outras ponderando que o PT agiu como os outros partidos e também algumas pontuando que o escândalo protagonizado pelo PT é maior do que o de outros partidos que recentemente estiveram envolvidos em casos de corrupção. Isso mostra que a imprensa não tem o poder de influenciar a opinião pública em uma só direção.

Para Marcelo Coelho, o PT foi julgado com bastante severidade, mas o rigor foi proporcional ao que a agremiação aplicava quando tratava de escândalos de outros partidos. “Ele teve na imprensa um aliado para isso. Eu me lembro até hoje um jornalista como o Elio Gaspari, que não é nenhum petista, falando na ‘privataria tucana’ o tempo todo. Os jornais, apesar de uma proximidade ideológica com teses de privatização e com teses do próprio governo Fernando Henrique, tiveram muito prazer em mostrar aqueles grampos, em que havia discussões secretas sobre quem deveria privatizar o quê”, disse Marcelo Coelho em relação às escutas ilegais instaladas no BNDES durante o governo FHC. Para ele, o PT nessa época foi implacável e tomava cada denúncia como se fosse a mais absoluta verdade.

Na opinião de Marcelo Beraba, é preciso distinguir o papel da mídia, da Polícia Federal e do STF nesse processo. O aparato foi entendido por parte da sociedade como uma tentativa e humilhação e, por outros, como parte de procedimentos corretos adotados durante a prisão. Beraba comentou que houve uma polêmica semelhante durante as prisões dos políticos Jáder Barbalho e Paulo Maluf, quando emissoras de televisão deram grande destaque a esses fatos. “Já houve essa crítica séria de que havia um procedimento da Polícia Federal que estava expondo indevidamente aqueles prisioneiros, como foi agora no caso do PT. E a escolha do dia [15 de novembro], de certa forma facilitou uma cobertura intensiva. Você não tinha notícia, era um dia praticamente sem notícia”, ponderou Beraba. O jornalista sublinhou que isso não significa que os excessos não devam ser criticados. Na avaliação do diretor da sucursal de O Estado de S.Paulo, a cobertura dos jornais impressos foi equilibrada.

A política está sendo transformada em espetáculo com a ajuda da mídia: “Quando o Dirceu e o Genoino fazem esse gesto, eles estão fazendo um gesto para serem fotografados, para serem filmados, expostos”, ressaltou Beraba. Dines questionou se a mídia não teria a obrigação de fazer uma cobertura menos “ruidosa”, com mais conteúdo e reflexões, deixar de fazer parte do “jogo de lealdades” para assumir o papel de mediadora. Beraba assegurou que os jornalistas fazem um esforço nessa direção e sempre apresentam o outro lado dos fatos para mostrar diferentes opiniões. E também há uma tentativa de levar ao público reflexões aprofundadas sobre o tema mostrado. “Não tem como a gente se afastar completamente de um fato político tão forte, tão relevante como esse. Seria um absurdo imaginar que a prisão deles nesse momento fosse tratada como algo normal, corriqueiro, usual. Não é, mas não significa que devam acontecer humilhações”, disse Beraba.

 

A mídia no caso mensalão

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 711, exibido em 26/11/2013

Apesar dos 50 anos decorridos entre os dois fatos, há um ponto para onde convergem a prisão de alguns réus da Ação Penal 470, conhecida como mensalão, e o assassinato do assassino do presidente Kennedy em Dallas.

Lee Oswald foi morto ao ser apresentado pela polícia aos jornalistas, logo após a sua prisão. Na confusão armada pela legião de repórteres, fotógrafos e operadores de tevê que circulavam livremente pelo recinto da delegacia, o assassino Jack Ruby aproximou-se do acusado e o matou a queima-roupa.

No relatório da comissão de inquérito presidida pelo então presidente da Suprema Corte, Earl Warren, consta expressamente uma severa crítica à complacência da polícia de Dallas ao expor desnecessariamente um suspeito entregue ao Estado para ser julgado. Aprovado o Relatório Warren, mudaram drasticamente os procedimentos policiais e carcerários americanos no tocante à presença da imprensa em detenções, julgamentos e transferência de presos.

O circo judicial foi desmontado nos Estados Unidos mas não aqui: no feriadão da proclamação da República, a mídia apostou forte na cobertura da apresentação dos principais acusados do mensalão – a imagem de um figurão algemado ou atrás de alguma grade compensaria qualquer custo. Mas não é assim que funciona uma democracia: nos tempos da Inquisição, o ponto alto das execuções era o auto de fé, o desfile dos penitenciados. Os condenados infringem leis, mas têm direitos que se não forem respeitados tornam inútil o aparelho judicial.

Ao lembrar os 50 anos do assassinato de John Kennedy, nossa mídia deveria lembrar também o carnaval que produziu a execução sumária de seu assassino.

 

A mídia na semana

>> O “jornalismo cidadão” e a Mídia Ninja não começaram na internet, são muito mais antigos. Há exatos 50 anos, Abraham Zapruder, o imigrante russo dono de uma confecção de roupas em Dallas, admirador incondicional do presidente Kennedy, resolveu filmar a carreata do seu ídolo quando passava perto da sua loja. Subiu num parapeito do jardim e com uma pequena câmera de oito milímetros Bell & Howell Zoomatic e produziu o mais importante filme amador da história americana e uma das principais evidências sobre o assassinato do presidente americano. Com 486 quadros em Kodakchrome e apenas 26 segundos de duração, registrou a terrível sequência com os dois tiros disparados por Lee Oswald. Zapruder, sua devoção e a sua câmera representam o reverso do ódio e do ressentimento numa página negra da história americana.

>> A novela é ruim, complicada e simplória. Como todas. Ao longo dos 156 capítulos anteriores “Amor à vida” jamais conseguiu produzir alguma reação mais forte na audiência da Globo. Mas na segunda-feira, 18 de novembro, a longa cena em que Félix, confrontado pelas provas do crime que cometeu, vomita todos os seus sentimentos, causou surpreendente comoção: o Ibope deu um salto e os críticos se impressionaram de tal maneira com o desempenho do ator Mateus Solano que o consideraram merecedor de um Oscar. Evidente exagero: no universo das telenovelas vale tudo, até mesmo um bom desempenho ocasional. Nos capítulos seguintes, a mesmice. Mas quem levou o Oscar da TV, o Emmy, foi a divina Fernanda Montenegro pelo desempenho no especial “Doce de mãe”.

>> Não será difícil adivinhar o voto da relatora, a ministra Carmen Lúcia do Supremo Tribunal, sobre a questão das biografias não autorizadas. Pela organização da audiência pública da última quinta-feira (21/11), quando 15 dos 17 depoimentos foram contra a obrigatoriedade da autorização, fica nítida a impressão de que a ministra dará maior peso à plena liberdade de expressão do que ao direito à privacidade. Mesmo porque, além das três estrelas da música popular e das duas empresárias, tornou-se quase impossível mobilizar mais defensores da absurda proibição. A unanimidade pode ser burra, como dizia Nelson Rodrigues, mas a maioria é sempre sábia.

>> Ele se diz de esquerda e anarquista: justifica o atentado contra a redação do diário Libération como protesto contra o “complô fascista” articulado pelos bancos e pela mídia. Antes de ser preso, o argelino escreveu uma carta em que denuncia a manipulação das massas pela mídia e depois tentou se matar. Não conseguiu. Envolvido em outro atentado terrorista há quase dez anos, o paranoico militante certamente não sabia que o Libération é um jornal assumidamente de esquerda. O delírio político produz essas coisas.

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Lilia Diniz é jornalista