Involuntariamente, mas de modo certeiro, a mídia jornalística expôs na última semana de campanha os bastidores da encenação eleitoral – alguns preferem chamar de farsa. Analistas deixaram claro que o recuo depois do debate dos presidenciáveis na Band, tendo em vista o mal-estar causado pela agressividade dos contendores, não se deveu a convicções, mas a conveniências. Voluntariamente, a mídia divulgou todas as restrições feitas aos resultados obtidos pelas pesquisas às vésperas do primeiro turno. Sabe-se que pesquisas são fonte de muitas reportagens e outras tantas manchetes. E, em terceiro lugar, criou um embaraço lógico à tese de que os principais veículos são filiados ao PIG, Partido da Imprensa Golpista, acusação sistematicamente formulada pelo PIG, Partido da Imprensa Governista, na medida em que divulgou sem tergiversar a dianteira de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves indicada em pesquisa de opinião do Datafolha (jornais de quarta-feira, 22/10). Três salvas de palmas para a mídia jornalística.
A encenação, que é de todas as eleições, que é da política desde sempre, que é da vida, foi trazida a você, leitor atento, por um conjunto de textos e imagens. Comecemos pelo “debate” na Band entre Dilma e Aécio. A imagem refletida foi de agressividade. No momento seguinte, a mídia transmitiu um recado difuso: aquele tipo de ferocidade desagrada as arquibancadas (que ela mesma monta para que o público assista ao combate e ela possa vender seu tempo/sua atenção – seu, leitor, do público, a chamada audiência – aos anunciantes).
De mentirinha
Realiza-se então novo “debate”, na Record. E os jornais do dia seguinte (segunda-feira, 20/10) parecem dizer que os adversários recuaram em respeito ao mal-estar provocado pelo tom do “debate” anterior.
É o que indicam as manchetes acima, do Valor, do Estado de S. Paulo e da Folha. Mas não é exatamente o que se lê em reportagens e análises sobre o “debate”. No Estadão, José Roberto de Toledo desmascara a “compunção” das campanhas:
“Os ringues em que se transformaram os debates do segundo turno (…) são apenas a parte mais visível da troca de insultos. Ingenuidade achar que a anticampanha acaba nos sopapos verbais na TV. Isso é só o começo, é munição para a artilharia que vem na sequência.
“Uma das febres nos comitês subterrâneos de 2014 é o uso eleitoral do WhatsApp. O aplicativo de mensagens em tempo real funciona em qualquer smartphone e poupa o usuário de pagar por mensagens SMS. Transita seu conteúdo pela internet. É também uma rede social popular, onde grupo de usuários transmitem e recebem mensagens entre si. (…)
“Por essa característica híbrida, meio de telefone meio de computador, o WhatsApp caiu em um buraco negro regulatório no Brasil e acabou escapando à vigilância da Justiça eleitoral. É território livre de regras e proibições, um velho oeste onde hackers e candidatos fazem seu bangue-bangue” (ver “Na onda do ódio”).
O efeito almejado com a baixaria havia sido obtido no debate da Band. E os dois lados “recuam” em aparente sinal de respeito ao distinto cidadão indignado. Mas é de mentirinha. Logo passam a jogar mais carniça na arena. Em campanha eleitoral, pode-se dizer que nada comove ninguém.
Jornalistas vs. marqueteiros
Mas o grande desafio, histórico, pode estar num confronto entre jornalistas e marqueteiros (vários dos quais foram jornalistas, em passadas encarnações). Os primeiros estão perdendo, é notório. Quem pôs o dedo nessa ferida foi Nelson de Sá, na Folha. Título de seu artigo: “Agressão cede lugar ao tédio, tornando evidente falta que fazem os jornalistas.” Vale a pena ler o texto inteiro aqui.
Falar mal do governo
Transcrevo uma crítica a adversários de um governo e peço ao leitor que tente adivinhar quem disse isso, quando, em que contexto:
“Porque no Brasil nós temos uma democracia, porque no Brasil os governantes aceitam que os jornalistas os vilipendiem, distorçam às vezes a realidade, achem ruim e reclamem sempre, esquecendo-se muitas vezes de mostrar as suas qualidades, as qualidades dos governantes.”