Não era impossível, 20 anos atrás, que veículos de comunicação agora chamados de tradicionais (jornal, revista, emissora de TV ou rádio) fossem vítimas de algum grupo de embusteiros, desavisados ou incompetentes que os fizessem veicular uma história absolutamente falsa. Os mais velhos se lembrarão do célebre caso do “boimate”, aqui mesmo no Brasil.
Mas é quase óbvio reconhecer que essa possibilidade cresceu de maneira exponencial com o aparecimento e consolidação das “novas mídias”. Não é só a pressa para ser o primeiro a dar uma informação importante (que afrouxou os controles de checagem e qualidade) a responsável por vexames noticiosos, como o da notícia de que um avião havia caído perto do aeroporto de Congonhas em São Paulo, quando o que ocorrera fora um incêndio em uma fábrica de colchões nas proximidades.
Os meios de comunicação, como qualquer entidade que mantenha um website (e nenhuma que pretenda ter alguma relevância pode deixar de ter um), estão permanentemente vulneráveis à invasão por hackers, para quem não parece haver limite de ousadia.
Dano real
No domingo (29/5), por exemplo, um grupo deles, insatisfeitos com o tratamento editorial que a rede pública de TV americana PBS havia dado a uma reportagem sobre o WikiLeaks, invadiu o website do principal programa telejornalístico da rede, o Newshour, e postou a notícia falsa de que o famoso rapper Tupac Shakur, assassinado em 1996 em Las Vegas, havia sido achado “vivo e bem” na Nova Zelândia.
Google News, Facebook, Twitter e redes sociais trataram de espalhar a informação totalmente infundada como se fosse correta e atribuída à PBS, mesmo depois de esta tê-la retirado do ar e desmentido.
Um grupo apócrifo enviou pelo Twitter uma mensagem reivindicando a responsabilidade pelo ato com o slogan “Libertem Bradley Manning; foda-se o Frontline” (Manning é o soldado acusado de ter passado documentos secretos ao WikiLeaks e Frontline é o programa da PBS que veiculou a reportagem que desagradou aos hackers).
Os inimigos radicais da “mídia tradicional” decerto vibram com essa ação guerrilheira informativa. Mas será que alguém – e, principalmente, a comunidade em geral – se beneficia desse tipo de atentado?
Que tipo de sociedade emergirá de um ambiente em que informações falsas possam ser disseminadas com grande facilidade, ainda mais se atribuídas a fontes que costumam gozar de credibilidade pública, como é o caso da PBS? Como acreditar em qualquer coisa que apareça na rede?
Muitas pessoas já sofreram e sofrem graves danos morais por causa de infâmias e falsidades sobre elas que circulam em blogs e redes sociais. Já houve vários casos de suicídio motivados por elas.
Obter na Justiça algum reparo por eles é dificílimo, quase impossível, inclusive pelo anonimato que prevalece ou é tolerado em muitos veículos digitais.
Diversos intelectuais tiveram e têm sua reputação abalada e sua paz prejudicada por textos atribuídos a eles que não expressam seu pensamento nem respeitam seu estilo.
A “ressurreição” de Shakur não causa mal concreto a ninguém. Mas, e quando hackers resolverem espalhar que alguma doença está se disseminando por uma cidade? Ou que assaltos estão ocorrendo em um bairro?
Cenas aviltantes
Não é possível nem desejável retroceder no relógio da história. Internet, redes sociais, mídias digitais vieram para ficar e trazem em si muitos avanços, aspectos positivos, enorme potencial de progresso.
É preciso, no entanto, tentar encontrar instrumentos tecnológicos que sejam capazes de conter a selvageria dos que acreditam na violência simbólica desenfreada como forma de vencer debates ideológicos.
Apelos ao bom senso com esse tipo de gente não funcionam. Leis para coibir esse comportamento são de difícil aplicação. Para combater a tecnologia, possivelmente, só mais tecnologia.
Enquanto isso, só resta assistir a esses espetáculos degradantes e torcer para que eles continuem sendo relativamente raros.