Em entrevista a Cláudia Antunes, editora de Internacional da Folha de S.Paulo, Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, proclamou a necessidade da criação de observatórios da imprensa na América Latina. Seu principal argumento: a mídia é o único poder que não dispõe de um contrapoder.
‘Os observatórios não têm o objetivo de censurar ou corrigir, mas de submeter os meios aos critérios de funcionamento jornalístico que eles próprios definem.’ (Folha, 18/11, pág. A-32)
Soa familiar? Pois é: a idéia de observação da mídia pela sociedade como forma de organizar um contrapoder vem sendo proposta desde 1994 com estas mesmíssimas expressões – primeiro pelo Labjor (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp) e, a partir de 1996, pelo site Observatório da Imprensa e seus spin-offs, filhotes, o programa semanal de TV e o diário, de rádio.
Pena que Ramonet não pegou o espírito da coisa: o seu contrapoder e os seus observatórios ‘seriam formados por jornalistas, professores de comunicação e leitores’, enquanto que o conceito norteador deste Observatório da Imprensa é menos elitista, mais social, público.
‘Jornal dos Jornais’
O legítimo contrapoder ao poder mídia só pode ser oferecido pela sociedade já que ela é a destinatária dos meios de comunicação, portanto a mais habilitada para julgar os seus desempenhos e procedimentos. Jornalistas, por mais independentes que sejam, são obrigados a pensar em suas carreiras, raramente têm a disposição para discutir questões que desagradam o empresariado. E, aos professores de comunicação, geralmente falta a vivência profissional em redações.
A sociedade precisa ser treinada para adotar um ceticismo em matéria jornalística assim como foi treinada para o ceticismo político, artístico, religioso, esportivo ou econômico. Essa é a função de um observatório da imprensa ou, pelo menos, deste Observatório da Imprensa.
Quando, em 1977, a Folha de S. Paulo conseguiu retomar algumas das atrações que abandonara por exigência do ministro Armando Falcão e da linha-dura militar, a única coluna definitivamente encerrada foi o ‘Jornal dos Jornais’, uma espécie de observatório individual que conseguiu manter-se ao longo de dois anos, em pleno regime da autocensura. Falcão & Cia conheciam os perigos de ensinar o cidadão a ler jornal ‘de outro jeito’ – criticamente.
Mais detalhes
A entrevista de Ramonet é na realidade um compacto da sua aula-magna na Universidade de Sevilha, pronunciada pouco antes, em 26/10. Em nenhuma das duas lembrou-se de alertar para o perigo da partidarização da observação da mídia. O problema é este. Nos EUA, há watchdogs, cães de guarda, de direita e progressistas, cada um em seu galho, ninho, nicho. Falam para os seus respectivos públicos, não surpreendem. E, se não surpreendem, são maus jornalistas.
O verdadeiro contrapoder ao poder da mídia exige observatórios efetivamente não-alinhados, audazes, competentes, inesperados, equipados por um corpo equilibrado de críticos, concentrados na dupla tarefa de defender a democracia e a excelência jornalística.
Quando Ramonet afirma que ‘ele [Chávez] manteve até agora a sua linha de respeito absoluto ao funcionamento da democracia’ fica evidente que os seus futuros observatórios deverão optar por um minimalismo democrático agarrado apenas a eleições e referendos.
De qualquer forma, Monsieur Ramonet, seja bem-vindo ao nosso Observatório da Imprensa. Caso necessite de mais detalhes sobre o assunto, consulte os seguintes textos publicados neste OI:
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Um compromisso, uma história, um saldo – A.D. (2/5/2006, documentos fundadores do OI)**
A crítica da mídia, poder e contrapoder – A.D. (Intervenção no painel ‘Imprensa, Poder e Sociedade’, no encerramento do X Fórum Nacional do Instituto de Altos Estudos – BNDES, Rio, 11/5/1998)**
Quem fica no Quarto Poder? – A.D. (12/8/2000)**
Cartel embrulhado para presente – A.D. (20/9/2000)**
Sistema totêmico e sistema mediático, uma provocação – A.D. (Conferência pronunciada em 1/10/2000 no simpósio ‘Freud: Conflito e Cultura’ – Masp, São Paulo)**
O olhar cidadão – A.D. (16/5/2001)**
A mídia e o Brasil do século 21 – A.D. (Intervenção no painel ‘O papel da mídia na preparação do Brasil para o século 21’, no Centre for Brazilian Studies da Universidade de Oxford, 21-22/5/ 2001)**
Festa com sentido, o sentido de uma festa – A.D. (8/5/2002)**
Ombudsman é avanço, não é a solução – A.D. (15/5/2002)**
Críticos são mais livres – nem sempre – A.D. (15/5/2002)**
Conselho instalado, silêncio ostensivo – A.D. (3/7/2002)**
85 anos de crítica da mídia – A.D. (20/11/2002)**
Deputados do PT devem desconfiar da mídia – A.D. (22/1/2003)**
O professor que lê jornais do nosso jeito – A.D. (12/2/2003)**
Crítica da mídia como solução de conflitos – A.D. (7/5/2003)**
A sociedade deve exercer algum controle sobre a mídia? – A.D. (4/5/2004)**
Do totalitarismo à democratização dos meios – A.D. (27/7/2004)**
Contra o denuncismo, o peleguismo – A.D. (10/8/2004)**
Despedida do Conselho de Comunicação Social – A.D. (19/10/2004)**
Conceitos de serviço público: media estatais e privados – A.D. (Comunicação apresentada em 11/1/2005 ao 6º Congresso Internacional de Jornalismo de Língua Portuguesa reunido em Lisboa, Portugal)**
Veja escorregou de novo. Agora com Severino – A.D. (6/9/2005)**
A crítica da imprensa é exigência da sociedade – A.D. (2/5/2006)**
Um compromisso, uma história, um saldo – A.D. (2/5/2006)**
O público como elemento ativo. E consciente – A.D. (12/9/2006)**
Como a mídia cobre a mídia – OI na TV, 28/3/2007