Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Berlusconi: como usar a mídia para governar

O filósofo italiano Umberto Eco, autor do recém-lançado A História da Feiúra (ed. Record, R$ 127), explica por que os políticos podem um dia governar por meio da mídia, o que a Itália ensinou ao mundo e como ele inventou o autor de best-sellers Dan Brown.


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Embora o sr. seja mais conhecido como o autor de O Nome da Rosa, também é comentarista político cujos ensaios foram reunidos no livro Turning Back the Clock, em que lança um aviso sobre os perigos do ‘populismo midiático’. Como definiria esse termo?


Umberto Eco – Populismo midiático significa apelar às pessoas diretamente por meio da mídia. Um político capaz de dominar a mídia pode influir sobre assuntos políticos fora do Parlamento e até eliminar a intermediação do Parlamento.


Boa parte do livro é um ataque a Silvio Berlusconi, o ex-premiê da Itália que usou seu império de mídia para promover seus objetivos políticos próprios.


U.E. – Entre 1994 e 1995, e de 2001 a 2006, Berlusconi foi o homem mais rico da Itália, o primeiro-ministro, dono de três canais de televisão e controlador dos três canais pertencentes ao Estado. Ele é um fenômeno que poderia acontecer em outros países, e talvez esteja acontecendo. E o mecanismo será o mesmo.


Nos EUA, há a FCC [sigla em inglês para Comissão Federal de Comunicações] e outros órgãos federais para impedir o surgimento do tipo de monopólio que permitiria a um político controlar jornais e emissoras.


U.E. – Nos Estados Unidos ainda existe uma grande separação entre a mídia e o poder político, pelo menos em princípio.


Então por que qualquer outro país além da Itália correria o risco de sofrer o domínio da mídia que o sr. descreve?


U.E. – Uma das razões pelas quais os estrangeiros se interessam tanto pelo caso italiano é que, no século passado, a Itália foi um laboratório. Isso começou com os futuristas. Seu manifesto saiu em 1909. Depois foi o fascismo – foi testado no laboratório italiano e depois migrou para a Espanha, os Bálcãs e a Alemanha.


O sr. está dizendo que a Alemanha tirou a idéia do fascismo da Itália?


U.E. – Com certeza. De acordo com o que dizem os historiadores, foi isso o que aconteceu.


Talvez apenas os historiadores italianos digam isso.


U.E. – Se você não gosta da história, não a relate. Para mim, não faz diferença.


O sr. quer dizer que a Itália criou tendências na moda (ou arte) e no fascismo?


U.E. – Sim, OK. Por que não?


O que o sr. acha do sucessor de Berlusconi, Romano Prodi, que foi eleito em 2006 e deslocou o governo para a esquerda?


U.E. – Ele é um amigo. Gosto dele, mas acho que foi dominado pelas disputas internas dentro de sua própria maioria, após a eleição. Berlusconi tem a vantagem de ser um grande ator. Prodi não é um ator, o que não é crime, mas é um ponto fraco.


Prodi é intelectual, em oposição ao homem de negócios?


U.E. – Sim, ele foi professor de economia. No início dos anos 90, Prodi era professor em um de meus programas. De repente, partiu para a política.


O sr. se refere ao departamento de comunicações da Universidade de Bolonha, onde é professor de semiótica?


U.E. – Eu me aposentei neste mês. Estou com 75 anos.


Alguma vez o sr. teve vontade de entrar para a política?


U.E. – Não, porque acho que cada um tem que fazer seu próprio trabalho.


O sr. se vê principalmente como romancista?


U.E. – Sinto que sou um acadêmico que escreve romances apenas com a mão esquerda.


Me pergunto se o sr. terá lido O Código Da Vinci, de Dan Brown, que alguns vêem como a versão pop de O Nome da Rosa.


U.E. – Fui obrigado a ler o livro porque todo mundo estava me perguntando sobre ele. Minha resposta é que Dan Brown é um dos personagens de meu romance O Pêndulo de Foucault, que fala de pessoas que começam a acreditar em coisas ligadas ao ocultismo.


Mas o sr. mesmo parece interessar-se pela cabala, a alquimia e outras práticas ocultas tratadas no livro.


U.E. – Não, em O Pêndulo de Foucault escrevi a representação grotesca desse tipo de pessoa. Assim, Dan Brown é uma de minhas criaturas.


U.E. – Faz diferença para o sr. se as pessoas estarão lendo seus romances daqui a cem anos, ou não?


U.E. – Se alguém escreve um livro e não se preocupa com a sobrevivência desse livro, é um imbecil.