Na madrugada do dia 2 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, convocou a imprensa para anunciar a morte de Osama bin Laden, dirigente da Al-Qaida. Obama não apresentou nenhuma prova do que disse. Mas foi o bastante para a grande imprensa mundial, inclusive a brasileira, dar como certa a morte de Bin Laden e repercutir o informe do presidente como se verdade fosse. Era um release do Departamento de Estado norte-americano, mas poucos questionaram. Ao longo da semana, a imprensa continuou reproduzindo a fonte oficial. Homeopaticamente. Informou que Bin Laden morava numa mansão localizada a 50 quilômetros de Islamabad, capital do Paquistão. Depois, que um parente assistiu sua morte. Depois, que Bin Laden não estava armado quando foi morto. Depois, que houve tortura no processo de captura.
Mas Bin Laden está morto? Enquanto escrevo isso, não há fotos, vídeos, nada que comprove. As imagens, disse o governo norte-americano, só mais tarde seriam divulgadas. Como assim, “mais tarde”? Nem todo mundo engoliu essa. Muitos jornalistas desconfiam dessas imagens que serão produzidas pelo Departamento de Estado norte-americano. Anote aí: serão imagens mentirosas, forjadas.
O mesmo Departamento de Estado afirmou que o corpo de Bin Laden foi jogado no mar! Como assim? Lançar corpos assassinados ao mar parece coisa de terrorista, de bárbaros, de gangues, de gente que não respeita as leis. Qual deveria ser a reação dos jornalistas quando o presidente dos Estados Unidos assume publicamente que adotou a mesma prática dos terroristas, quando ele diz tortura prisioneiros e lança os corpos aos tubarões? Infelizmente, só uns poucos colegas se constrangeram com essas declarações de prática de terrorismo, de grossura, violência, e brutalidade praticadas por um Estado. A maioria se calou e acatou isso como se fosse uma atitude normal. É preciso dizer a verdade: não há o que comemorar quando Obama se iguala, na prática, a Bin Laden.
A imprensa, um poderoso aliado
Para o jornalismo, enquanto o governo norte-americano não apresentar provas, testemunhas, dados, Bin Laden não está morto. O jornalismo tem a obrigação de apurar os fatos, buscar a verdade, e não se dobrar a uma única fonte. Principalmente quando se trata de guerras: em toda guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. A frase não é minha. Sua morte é apenas a fala de uma autoridade oficial, e fala de autoridade oficial é sempre suspeita. Isso é um dos princípios do jornalismo.
Estamos falando dos Estados Unidos, uma nação que tem uma história de prática de terrorismo. Isso inclui invasões, roubos, apoio a ditaduras, formação em torturas, pilhagens, torturas e mortes. Quando aconteceu o evento de 11 de setembro, antes da Al-Qaida assumir o atentado, Bush já dizia que tinha sido Bin Laden. Como não achavam Bin Laden e era preciso matar alguém, Bush e seus gângsteres elegeram um inimigo visível, Saddam Hussein. Ex-aliado dos EUA, Saddam – ditador e cruel – foi escolhido para morrer. Era o que existia no momento e sobrou para ele. Matar Saddam seria ótimo para esses assassinos: 1) oferta de sangue para a população norte-americana; 2) incentivo à indústria bélica; 3) pilhagem de energia (petróleo).
Faltava somente um motivo. Aí alguém, dentro do Departamento de Estado, teve uma ideia genial: “Ora, vamos dizer que Saddam tem armas de destruição em massa e que precisamos impedir que ele faça uso dessas armas.” A ideia era idiota, sádica, típica dos militares norte-americanos, mas colou. Colou porque o governo dos Estados Unidos tem na sua imprensa (alardeada como livre e exemplo para o mundo) um poderoso aliado. Se Bush, o terrorista, dissesse que um disco voador pousara em seu jardim, essa imprensa daria a notícia como se fosse verdade.
Código de ética é ferido
Mais tarde, depois de 1 milhão de mortos acumulados, o governo norte-americano confirmou o que todos sabiam: que realmente não existiam armas de destruição em massa no Iraque. E os mesmos repórteres disseram que tinha havido um erro “do governo norte-americano”. A questão que se coloca quanto a esse “jornalismo” praticado para o caso da invasão do Iraque é a seguinte: o repórter fez papel de idiota, aceitando ser manipulado para reproduzir o texto mentiroso do governo Bush, ou ele sabia que era mentira e tentou fazer os leitores/telespectadores de idiotas para justificar a invasão?
O fato é que era propaganda de guerra e ele veiculou como se fosse jornalismo. Ele tem responsabilidade nisso? Claro. Diz o Código de ética da categoria:
Art. 2º
I – a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas;
II – a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público;
E o que ocorre quando um repórter difunde uma mentira? Se a fonte mente e ele divulga essa mentira qual a sua responsabilidade? Diz o Código de ética:
Art. 8º O jornalista é responsável por toda a informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros, caso em que a responsabilidade pela alteração será de seu autor.
A promessa do assassinato
Fatos como estes mostram como boa parte da imprensa não é livre nem democrática. Os jornalistas agem como marionetes; servem aos donos do poder. Ocorre que nem Bush nem Obama são donos da situação. Os dois obedecem a um grande sistema que tem na indústria bélica um ente forjador de símbolos e sentidos para um povo que se pretende o mais poderoso do mundo. A bilionária indústria bélica norte-americana se soma aos símbolos pátrios, erigindo-se como economia e foco do nacionalismo. Freud, Nietzsche ou Foucault tratariam isso como patologia de um povo… Mas aí é outra história.
Os Estados Unidos informam que a responsabilidade pela ação que levou à morte de Bin Laden esteve por conta de um grupo de elite, o Seals. O grupo foi treinado para invadir países, sequestrar, torturar e assassinar aqueles que são considerados inimigos dos EUA. A imprensa ficou constrangida com isso? Não. Ela aceita que os “nossos aliados” pratiquem atos de terrorismo. Não por acaso, a TV Globo, e em especial o Jornal Nacional e o Fantástico, festejaram mais que os norte-americanos a morte de Bin Laden.
Finalmente, seria preciso questionar a conduta do presidente Barack Obama. Primeiro ele parece feliz por ter cumprido uma das suas promessas de campanha, “matar Bin Laden”. Prometer que vai assassinar alguém pode soar estranho para nós, “selvagens”, “atrasados” do Terceiro Mundo, mas é perfeitamente normal para esse povo que compra fuzil na bodega da esquina e a cada seis meses sai atirando em tudo que vê pela frente.
Promessas não cumpridas
Obama fez outras promessas que não foram cumpridas. Ele prometeu fechar a base de Guantánamo, uma instalação militar ilegal dos EUA em Cuba, onde estão confinadas pessoas sequestradas pela CIA. Sem julgamento, sem direito à justiça, elas são humilhadas e torturadas pelos soldados norte-americanos. O “mundo livre” aceita isso.
Obama também prometeu retirar os soldados do Afeganistão e do Iraque. Não fez isso. Além de não cumprir essas promessas, Obama não intervém no caso do soldado Bradley Manning, suspeito de ter repassado ao site WikiLeaks documentos secretos americanos. Manning está sendo torturado numa base militar norte-americana. Em resumo: a tortura é uma prática comum desse governo. E a imprensa não se constrange com isso.
É certo que Barack Obama não é um nazi-psicopata como George W. Bush, mas do mesmo modo ele sustenta a política do seu antecessor, a “guerra ao terror”, um conjunto de práticas belicistas que alimentam o ódio dos fundamentalistas e atraem as ações terroristas. Matar Bin Laden serviu para sua campanha eleitoral. Ele pretende reeleger-se xerife dos Estados Unidos e do mundo. Enfim, está na hora da gente fazer campanha para que Barack Obama devolva o Prêmio Nobel da paz. Ele se tornou uma das grandes frustrações dos que acreditam no mundo mais pacífico e mais humano. De esperança de paz no mundo, ele se tornou mais um presidente mentiroso e o arauto da vingança e da morte.