O bloqueio ao trabalho da imprensa imposto pela Mesa Diretora durante a sessão que decidiu a absolvição do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) em um dos processos a que ele responde no Senado da República foi analisado no Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (18/09). Outras medidas foram tomadas para garantir o sigilo da votação da resolução que recomendava a cassação do senador. Além impedir o trabalho dos meios de comunicação, foram proibidos o uso de computadores portáteis e foi recomendado que aparelhos de telefone celular permanecessem desligados.
Participaram do programa o presidente da Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous, no Rio de Janeiro, o historiador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) Marco Antonio Villa, pelo estúdio da TV Cultura e, em Brasília, os deputados federais Fernando Gabeira (PV-RJ) e Raul Jungmann (PPS-PE).
No editorial que abre o programa, Alberto Dines avaliou que, no caso da absolvição do senador Renan Calheiros, a revolta da população parece firme e duradoura. ‘O blecaute informativo imposto pela presidência do Senado na quarta-feira passada foi uma opção pela clandestinidade. Ao invés da transparência e da visibilidade adotou-se a fórmula do apagão.’ O jornalista observou que a presença da mídia incomodava os defensores do mandato do senador, mesmo em uma votação secreta. Dines criticou a ausência de a ata da sessão e dos registros taquigráficos dos discursos. ‘Para o senado brasileiro não existiu o dia 12 de setembro, foi um dia em branco, um buraco negro na história do nosso parlamento’, disse.
A reportagem que precede o debate ao vivo entrevistou o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). O órgão, horas antes da sessão, concedeu uma liminar que autorizava treze deputados federias a acompanhar a votação. O ministro explicou que a votação secreta foi imposta pela Constituição Federal, mas que a Carta não prevê a sessão secreta. Ele observou ainda que o Congresso é a casa do povo, e este tem direito de acompanhar o trabalho dos parlamentares.
Na mesma reportagem, a jornalista Dora Kramer classificou como anacrônica a decisão do senado. Tanto o voto secreto, quando a sessão secreta, seriam inúteis frente aos recursos tecnológicos disponíveis hoje. Para ela, o senado ‘decidiu contra si mesmo’. O jurista José Paulo Cavalcanti Filho lamentou o fato de parlamentares optarem pela abstenção: ‘É uma pena para alguns homens públicos que não tenham sabido, nesse momento de crise, ficar ao lado da opinião pública, ficar ao lado do povo’. O ex-ministro da Justiça Paulo Brossard disse que o episódio não deixou nenhuma lição para a nação.
A constitucionalidade da proibição
Fernando Gabeira, no debate ao vivo, afirmou que o fato foi uma oportunidade para a população ter conhecimento da ‘mediocridade que domina o senado, das relações internas que existem ali’ e que mostrou a necessidade de mudanças. O deputado comparou a sessão secreta com a queima de livros promovida no século passado.
O presidente da OAB-RJ disse que o procedimento adotado pelo senado lembra o Conselho de Segurança Nacional por não ter ata nem anotações formais. Damous questionou a constitucionalidade do regimento interno do Senado. Para ele, Constituição prevê o voto secreto em sessões que envolvam perda de mandato de parlamentares, mas não define que a sessão seja fechada. O advogado frisou que a constituição brasileira enfatiza valores republicanos como a transparência.
Raul Jungmann concordou que a proibição foi inconstitucional e afirmou que é preciso um processo de ‘republicanização’ do Congresso Nacional. ‘A idéia era ‘seqüestrar’ o senado. Era evitar que tudo aquilo pudesse chegar exatamente aos olhos e ouvidos do eleitor para assim poder se manter uma maioria pró-absolvição’, disse Raul Jungmann.
‘Foi uma pressão contra a imprensa e contra a história’, alertou Marco Villa. O historiador afirmou que não tem conhecimento de nenhuma outra proibição de registro de sessões no senado. Para ele, a atual legislatura é a pior da história devido ao grande número de suplentes que assumiram mandato sem terem recebido um voto sequer. Villa argumentou que a imprensa teve um papel importante nas denúncias contra o senador e atribuiu o temor contra o trabalho dos meios de comunicação a uma teoria disseminada após 2003 de que a imprensa participaria de ‘grandes conspirações’.
Poder x imprensa x opinião pública
A questão da ‘demonização da imprensa’, conforme Dines classificou, também foi examinada por Fernando Gabeira. O deputado observou que o tema central dessa discussão é a relação do poder com a imprensa e a opinião pública. Os defensores do senador Renan Calheiros englobariam a tese de que a imprensa seria um ‘partido político’ que definiria os caminhos do Brasil. Na visão do deputado, a imprensa ‘não escreve em uma folha em branco’ e a sociedade têm capacidade de formar a sua opinião independente do trabalho da imprensa.
Outro ponto levantado no debate foi que a falta de informações oficiais sobre a sessão impediu que a população tivesse acesso aos argumentos a favor do senador. Wadih Damous salientou que o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) promoveu uma consistente defesa da permanência de Calheiros à frente do senado federal, mas esta não pôde vir a público.
‘O fato de a imprensa ter sido benevolente com o PT contribuiu para o comportamento do governo em relação aos meios de comunicação?’, questionou Raul Jungmann. Na opinião do deputado, o governo Lula não teria ‘traquejo democrático’. Ele avalia que, na visão de integrantes do governo, as críticas seriam sempre parte de um movimento para desconstituir o governo.
O papel do eleitor
Marco Villa ressaltou a necessidade de fortalecimento do poder Legislativo na elaboração de novas Leis e como fiscalizador do poder Executivo. O historiador destacou a importância dos eleitores no processo: ‘O eleitor presta mais atenção na eleição para governador, para presidente, para prefeito. Em relação ao legislativo ele pouco presta atenção, seja para vereador, deputado federal, deputado estadual ou senador.’ Raul Jungmann afirmou que o parlamentar freqüentemente esquece a quem representa e ‘muito representado não lembra em quem votou’ e que é necessário haver uma relação de confiança entre o representante e o representado.
Os debatedores também abordaram a importância do voto aberto para a transparência das instituições. Para Fernando Gabeira, os órgãos de imprensa temem serem processados por políticos caso atribuam a eles posicionamentos que não foram assumidos. O deputado observou que existe um ressentimento da sociedade contra os senadores e que é preciso prudência ‘para não dizer que um senador votou a favor (da absolvição do senador Renan Calheiros) sem que ele tenha votado’
Um telespectador questionou o presidente da OAB-RJ se seria o caso de a instituição promover uma espécie de ‘cruzada pela moralidade’. Damous afirmou que a Ordem já tem uma posição oficial que questiona a constitucionalidade da sessão secreta, mas afirmou que é preciso cautela quanto à exacerbação na defesa de princípios de transparência para evitar o pré-julgamento dos acusados. Fernando Gabeira acredita que manifestações pacíficas seriam saudáveis e que o povo brasileiro tem tradição neste tipo de protesto. Dines ponderou que ‘nem sempre quem mais se indigna tem mais razão.’
Marco Villa comparou a ‘sessão clandestina’ do senado com a votação no STF da denúncia da procuradoria-geral da República contra os acusados de envolvimento do esquema de desvio de verbas que ficou conhecido como mensalão. A sessão foi transmitida pela TV Justiça e a decisão foi tomada publicamente: ‘Foi extremante educativo para o processo democrático brasileiro’, disse.
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A mídia no caso Renan Calheiros
Alberto Dines # editoral do programa Observatório da Imprensa na TV nº 434, no ar em 18/9/2007
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A indignação, em geral, dura pouco. Mas no caso da absolvição do senador Renan Calheiros, a revolta parece firme, consistente e não dá sinais de que vai arrefecer.
O problema não é a absolvição em si, mas a forma adotada para realizar o julgamento. E aqui entramos na esfera deste Observatório. O blecaute informativo imposto pela presidência do Senado na quarta-feira passada foi uma opção pela clandestinidade. Ao invés da transparência e da visibilidade adotou-se a fórmula do apagão.
A presença da mídia incomodava aqueles que defendiam o mandato de Renan mesmo numa votação onde o voto seria secreto. E para que o sigilo fosse absoluto, a mesa do Senado decidiu que não haveria ata da sessão, nem registro taquigráfico dos discursos.
Para o Senado brasileiro, não existiu o dia 12 de outubro – foi um dia em branco, um buraco negro na história do nosso parlamento.