Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasília, os anos dourados da imprensa

Marco do governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), a transferência da capital do país do Rio de Janeiro para Brasília gerou acalorados debates na época. Oposição e parte da imprensa criticaram duramente o presidente durante todo o período da construção nova cidade até a inauguração, em 21 de abril de 1960. O programa televisivo do Observatório da Imprensa, exibido terça-feira (21/4) pela TV Brasil, aproveitou o início das comemorações pelos cinqüenta anos de Brasília, que serão celebrados em 2010, para discutir o comportamento da imprensa na década que ficou conhecida como ‘os anos dourados’.


Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro dois especialistas na trajetória política de Juscelino Kubitschek: o documentarista Silvio Tendler e jornalista Claudio Bojunga. Mestre em Cinema e História pela École des Hautes-Études de Sorbonne, Tendler realizou 31 filmes. Dirigiu o premiado Os anos JK – uma trajetória política, lançado em 1980. O filme, assistido por 800 mil espectadores, abrange o período entre 1954 e 1964. Claudio Bojunga é formado em Direito e estudou Política Internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Foi repórter, crítico e correspondente internacional. Em 2001, lançou a biografia JK – o artista do impossível, que conta a história do ex-presidente, de sua época e do país. Bojunga foi responsável pelo texto do documentário de Tendler.


A modernização da imprensa


Da indústria ao panorama musical, tudo se modernizava nos anos de 1950 no Brasil. E a imprensa não ficou de fora desse processo. A apresentação gráfica e a linguagem dos jornais passaram por significativas mudanças. O Diário Carioca, jornal fundado em 1928, introduziu novas técnicas de redação desenvolvidas nos Estados Unidos. Inovou ao adotar o uso do lead nas matérias e ao criar a figura do copidesque. Com o tempo, outros jornais aderiram às mudanças. O Jornal do Brasil, fundado em 1891, passou por uma ampla reforma por meio da qual deixaria de ser conhecido como ‘o jornal das cozinheiras’, por publicar pequenos anúncios na primeira página.


A partir de 1955, começava a sair de cena o jornalismo de crítica e opinião. Também perdiam espaço a crônica e o folhetim que figuravam nos jornais de perfil popular. Nascia uma imprensa preocupada com a linguagem objetiva e a imparcialidade. Os tradicionais jornais vespertinos davam lugar aos matutinos. E nesse contexto de transição do jornalismo, a capital federal foi transferida do Rio de Janeiro, então centro político e cultural do país, para o ermo Planalto Central. Um prato cheio para a imprensa.


Para o Correio da Manhã, a mudança da capital determinaria o esvaziamento político do Rio de Janeiro. Outro periódico opositor foi o Jornal do Brasil, que via o presidente JK como responsável pela corrupção nas obras da cidade e atacava a política econômica então adotada. O jornal O Globo não dava descanso ao presidente. Encarava os gastos com as obras como responsáveis pela inflação e criticava o abandono do Rio de Janeiro. Mas o mais ferrenho opositor era a Tribuna da Imprensa, do então deputado federal Carlos Lacerda. Diariamente, o jornal atacava a construção da nova capital em charges, matérias, editoriais e colunas.


Uma nova capital, um sonho antigo


Antes do debate no estúdio, em editorial, Dines destacou que a data de 21 de abril remete a três rememorações: as mortes de Tiradentes e de Tancredo Neves e o aniversário de Brasília. Dines comentou que a imprensa não foi simpática ao projeto de transferência. O jornalista exaltou o poder de mobilização da imprensa carioca naquele período. ‘Uma manchete de jornal seria capaz de levar o povo às portas do Palácio do Catete ou da Câmara dos Deputados’, disse.


O jornalista disse que o projeto ‘voluntarista’ de JK produziu ‘outros voluntarismos’ e que a iniciativa mais relevante foi a de Assis Chateaubriand. O proprietário dos Diários Associados cumpriu a promessa de instalar uma rotativa no dia da inauguração da cidade. ‘O jornal criado por Chatô chamou-se Correio Braziliense, o mesmo título que marcou o início da imprensa brasileira, 156 anos antes’, disse.


Dines perguntou a Silvio Tendler o que o motivou a realizar o documentário sobre os anos JK e trazer o ‘passado para o presente’. Tendler explicou que sempre quis produzir um documentário ligado à história política. Em 1976, quando retornou de uma temporada na França, percebeu o grande interesse dos brasileiros na figura de JK, que falecera em agosto daquele ano em um acidente de carro na Via Dutra. ‘O povo não pediu licença para homenagear o ex-presidente’, disse. O caixão foi carregado pelo povo no Rio de Janeiro e em Brasília.


A paixão por um presidente que já estava fora da política e tinha deixado ‘uma lembrança incrível’ no consciente dos brasileiros levou o cineasta a ‘ter vontade de falar da democracia’.


Para Bojunga, o enterro do presidente pode ser considerado o primeiro comício pelas eleições diretas por ser uma manifestação de massa espontânea a favor da democracia. A idéia do filme não é a ‘saudade do passado’, mas sim do sonho republicano e democrata, ‘do futuro que havíamos perdido durante a ditadura militar’. Bojunga destaca que o governo JK reuniu três fatores raros na história política do país: um regime absolutamente democrático, grande desenvolvimento econômico por meio do Plano de Metas e um florescimento cultural como nunca ocorrera. O jornalista relembrou uma frase do historiador mineiro Francisco Iglesias: ‘JK herdou o melhor de Getúlio Vargas’.


Poder longe das pressões populares


A mídia foi relutante em relação à transferência da capital. ‘A imprensa do Rio de Janeiro era local, mas naturalmente nacional’, avaliou Dines. Os jornais exerciam um ‘poder de pressão fantástico’ e JK queria governar ‘com mais tranqüilidade’. O sonho de fugir da turbulência do Rio de Janeiro era antigo, desde a época da colônia, e foi retomado diversas vezes ao longo da história. Bojunga destacou que a Tribuna da Imprensa era o instrumento golpista de Carlos Lacerda, que queria derrubar o governo.


Juscelino Kubitschek foi o primeiro político a perceber a importância da opinião pública, na opinião de Silvio Tendler. ‘JK governou contra a grande imprensa tradicional’, avaliou. Para Dines, o político ‘soube como poucos’ lidar com a imprensa. O cineasta recordou que um produtor de cinejornais do interior do Brasil dizia que JK era capaz de deslocar um palanque em uma inauguração para ser mais bem filmado.


Ciente da relevância das comunicações, o então presidente beneficiou os cinejornais e investiu em produtores como Jean Manzon. E, posteriormente, impulsionou a revista Manchete. O caráter simbólico da comunicação na política foi percebido por JK, na avaliação de Bojunga. O escritor destacou que o então presidente foi precursor no uso da televisão. Apresentou o Plano de Metas na TV e assim vendeu as propostas para a população.


Brasília como bode expiatório


A mídia criou em torno de Brasília a imagem de que uma cidade especialmente criada para encarnar do poder público tende a se tornar promíscua, um local de negociatas. E quanto mais distante dos grandes centros urbanos, mais fácil a corrupção espalhar-se. ‘A imprensa criou Brasília como um bode expiatório das mazelas políticas que nós mesmos levamos para a nova capital’, criticou Bojunga. É preciso ter em conta, na opinião do jornalista, que o centro de poder permaneceu vinte anos nas mãos de governos militares e que o primeiro presidente eleito após a ditadura era ‘um sujeito corrupto’ que foi derrubado democraticamente.


‘O Brasil não conhece Brasília’, disse Silvio Tendler. O cineasta, que morou na capital federal, destacou que, geralmente, reduz-se Brasília à Praça dos Três Poderes. Mesmo durante o regime militar, a cidade gerou nomes importantes para a cultura nacional, em todas as áreas. Para Bojunga, a mídia tende a classificar a capital como ‘Ilha da Fantasia’. Fora do Plano Piloto, reina a pobreza e a miséria.


Claudio Bojunga relembrou o comentário que o jornalista Carlos Castello Branco publicou em sua coluna do Jornal do Brasil, em 22/04/1990, no aniversário de 30 anos da cidade, sobre o processo de favelização da capital federal:




‘Nisso vai apenas acompanhando o modelo da miséria brasileira com suas grandes cidades invadidas por migrantes cuja pobreza impede que se esqueça de que a maior parte do país vive miseravelmente. Nisso Brasília não se distingue, vai ficando igual às outras cidades, ao Rio, a São Paulo, ao Recife, o que a identifica também com o velho Brasil e impede a prevalência do novo que ela tentou representar’.


A situação do Rio de Janeiro após a transferência do centro político também foi debatida no programa. Para Dines, a ‘lenda’ de que a degradação do Rio de Janeiro teve início com a mudança da capital não corresponde à realidade. ‘O erro foi posterior, com a fusão dos estados do Rio e da Guanabara’. Silvio Tendler considera que o Rio é uma cidade insurgente. ‘Mesmo durante a ditadura, a oposição esteve presente aqui’, disse. Bojunga acredita que os militares queriam dissolver politicamente o Rio de Janeiro com a fusão. ‘Foi ruim para todos porque atendeu a interesses tacanhos de políticos que governavam de Niterói e precisavam chegar ao cenário nacional’, avaliou Silvio Tendler.

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Jornalista