Adoro rádio. No meu apartamento, alugado, tenho cinco aparelhos ou mais. Sempre ligados em notícias, alternados por momentos musicais. Mídia impressa, televisão, internet –presto atenção a tudo, mas nunca deixo de apreciar a rapidez com que o rádio nos informa.
Neste domingo [12/4] levei um susto, ou um choque de realidade. Uma das emissoras que eu sempre sintonizo dedicou sua programação inteira à cobertura de atos contra o governo. Nem o futebol transmitiram.
Lembrei do poder do rádio com a Cadeia da Legalidade. Em 1961, quando os militares ensaiavam um golpe contra o vice João Goulart diante da renúncia de Jânio Quadros, o governador gaúcho Leonel Brizola foi à luta. Assumiu os transmissores da rádio Guaíba e passou a disparar apelos pelo respeito à regra do jogo. Ou seja, que Jango assumisse conforme mandava a Constituição da época. Uma bandeira justa do ponto de vista da democracia. Foi bem sucedido, por três anos. Até 1964.
Agora vemos o inverso. A mídia mainstream aderiu com tudo às passeatas que pedem impeachment da presidente, fim da corrupção, afastamento do ministro Toffoli (!!!) e, por que não, intervenção militar. Faltou protestar contra a epidemia de dengue, racionamento, escalada da violência, falta de material escolar –vai ver que não cabia nas faixas.
Não interessa se neste 12 de abril houve mais ou menos pessoas do que em manifestações anteriores. Quem teve a chance de conhecer países em que a democracia existe há tempos sabe que atos como estes são corriqueiros. Você chega a Paris e é surpreendido por uma greve de metrô ou protestos contra o desemprego. Em Barcelona, manifestações quase diárias pedem a independência do povo basco. Nos Estados Unidos, atos contra ou a favor de alguma causa acontecem diariamente. Nada disso impressiona. O que impressiona é a cobertura digna de Copa do Mundo destinada a tais manifestações ocorridas no Brasil. Jornalistas de verdade gostam de notícias. Mas o que poderia ser mais tedioso e revelador do que ouvir o dia inteiro a mesma narrativa (palavra da moda) sobre atos esvaziados ou inflados artificialmente?
O Brasil já viveu campanhas épicas. Entre outras, a mobilização pela Anistia, o movimento pelas Diretas, o impeachment de Collor, as manifestações de 2013. Todas tinham um objetivo definido, a partir de fatos comprovados. E agora? Querem o impeachment? Então assumam. Faz parte. Só não esqueçam de providenciar os motivos e de que os responsáveis maiores por este tipo de decisão na Câmara e no Senado encabeçam a lista de acusados na Lava Jato.
Frases que ficam
“Você não pode olhar do ponto de vista moral. Os grupos econômicos se articulam. […] Você não perguntou, mas posso dizer aqui para a mídia: cartel virou sinônimo de delito, mas não é nada mais, nada menos que monopólio. São empresas que combinam preço, não que tomam preço. Esse é um fenômeno supercomum no mundo inteiro. […] Quando jornais do interior combinam de aumentar e diminuir preço do jornal, há cartel aí […] Isso não significa que cartel é delito. De repente, em estação de Metrô, em obra pública, diz que se formou cartel e parece que é ‘opa, tem cartel aí’, mas é o mesmo que se dizer que se formou um monopólio, oligopólio.” (José Serra, PSDB, em 25.ago.2014, quando candidato ao Senado, durante evento para empresários do setor de comunicações. À disposição na internet.)
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Ricardo Melo é colunista da Folha de S.Paulo