Uma reportagem no Estado de S. Paulo comenta resultado de um estudo global sobre o nível de confiança das sociedades nacionais em governos, empresas, ONGs e mídia. O Edelman Trust Barometer, em sua 14ª edição, faz um levantamento em 27 países, por meio de 33 mil entrevistas, sendo 27 mil do público em geral e 6 mil no grupo composto por uma seleção de pessoas com educação superior, hábito de consumir notícias diversas vezes por semana e que acompanham temas sociais e políticos. Portanto, pode-se dizer que esse estrato específico de 6 mil entrevistados representa o cliente típico da imprensa.
Os dados referentes ao Brasil serão divulgados em fevereiro, em dois seminários marcados para o Rio de Janeiro e São Paulo, e prometem ser muito úteis para os estudiosos das relações entre mídia e sociedade. O texto publicado pelo Estado se refere apenas ao grau de confiança que o público em geral deposita em empresas familiares, em comparação com a credibilidade das empresas de capital aberto e as estatais.
No resumo distribuído pela Edelman (ver aqui), a análise é mais ampla: por exemplo, observa-se que a confiança na mídia caiu 4 pontos de 2013 para 2014, em todo o mundo. Mas o mais interessante é observar como os novos meios digitais e outros processos de comunicação desvinculados da mídia tradicional passaram a contar com muito mais credibilidade, avançando no campo antes dominado por aquilo que chamamos classicamente de imprensa.
O estrato da amostragem considerado como “público informado” declara que, ao buscar informações sobre qualquer assunto, confia tanto na mídia tradicional quanto nos sistemas de busca online. No Brasil, esse aspecto é ainda mais diferenciado: as ferramentas de busca como o Google têm a confiança de 81% dos consultados.
Em um ano, a mídia tradicional perdeu 7 pontos na classificação da credibilidade, com 74% de citações, seguida de portais, blogs e congêneres, com 65%, e mídias sociais e outras fontes digitais, com 63% cada. A pesquisa permite associar o nível de confiança nos meios à formação da opinião sobre marcas de produtos e serviços, indicando que cresce a influência de funcionários e cidadãos comuns em relação às fontes institucionais, como dirigentes de empresas.
Estratégia equivocada
Observando-se apenas esse contexto do estudo, pode-se constatar uma importante mudança no comportamento dos indivíduos, tanto em seu papel de cidadãos como na qualidade de consumidores.
A análise que acompanha os dados da pesquisa indica que as pessoas ainda consideram importante a qualidade específica daquilo que lhes é entregue em troca de seu dinheiro ou de seus impostos, mas aumenta a expectativa quanto a outras questões, como a conduta de empresas e instituições em geral, ou seja, atributos éticos tornam-se tão valiosos quando os aspectos operacionais.
Esses indicadores explicam em grande parte o distanciamento, quase animosidade, que se nota, no Brasil, entre grandes parcelas da população e o conjunto das instituições. De certa forma, também justificam, parcialmente, o nível maior de confiança nas empresas que têm uma face – a cara do dono –, em comparação com as organizações sem rosto. Torna-se interessante, por exemplo, observar como o empresário Abílio Diniz, que era o retrato do grupo Pão de Açúcar, vai transferir sua reputação para o novo grupo empresarial a que está se associando.
No campo político, a pesquisa mostra como pode ser um erro estratégico grave a opção da maioria dos governantes, inclusive no âmbito federal, de buscar o poder no voto para exercê-lo no ambiente restrito das instituições partidárias. Se, como mostra o estudo, a sociedade quer ver a face que personifica a instituição, as estratégias de comunicação que despersonalizam empresas e outras entidades podem estar seriamente equivocadas.
A observação diária da imprensa revela que a mídia tradicional se dirige preferencialmente às instituições, e que tanto governos quanto empresas também se fecham nessa conversação que exclui o cidadão comum.
O retrato pintado pelo Edelman Trust Barometer indica um novo caminho: se as pessoas tendem a confiar mais em seus pares do que na imprensa ou nas instituições, a sucessão de crises que testemunhamos só será sustada se houver um redirecionamento na comunicação, visando mais o ser humano do que suas representações formais.