Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cala a boca já morreu

“Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição”. Com essa fala a Ministra Carmen Lucia votou pela impossibilidade de biografias serem previamente censuradas por qualquer indivíduo ou autoridade. Na prática, o STF decidiu que biografias podem veicular informações sem a necessidade de autorização prévia de biografados, familiares ou demais retratados na obra. Exigir prévia autorização seria, assim, o mesmo que impor censura.

O STF decidiu com base na ideia que a liberdade de expressão – que abarca a liberdade de informar e de ser informado – teria na Constituição uma superproteção, como  exigência para a manutenção de uma democracia pluralista.

Isso não significa dizer que a liberdade de expressão não tenha limites: a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem são bens protegidos constitucionalmente cuja violação e danos daí decorrentes acarretarão reparação.

Com isso, restaurou a forma pela qual a própria Constituição lida com o aparente conflito entre liberdade de expressão e informação de um lado e a intimidade e privacidade de outro: a liberdade é a regra e o regime de controles sobre o que se fala é sempre posterior. Inverdades e abusos serão, como sempre foram, motivos para uma devida reparação.

A censura prévia é vedada, mas  permanecem válidos os mecanismos de regulação da liberdade de expressão e informação. Por exemplo, medidas de proteção de crianças e adolescentes (como a classificação indicativa), exigências de conteúdo regional, bem como a vedação a publicidade de tabaco e álcool não seriam restrições indevidas à liberdade de expressão, mas a concretização de outras exigências constitucionais.

Apesar do STF ter limitado o julgamento apenas às biografias, fez muito mais do que isso ao defender vigorosamente a liberdade de expressão e de informação, sobretudo na atual conjuntura, na qual demais instâncias do Judiciário têm interferido na liberdade de expressão, não só em biografias mas também em jornais, palcos e na internet. O “cala a boca” pode ter morrido no STF, mas ainda aparece vivo por aí.

***

Eloísa Machado e Rubens Glezer, professores e coordenadores do Supremo em Pauta FGV Direito SP