Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Caminho sem volta

O presidente Lula pediu que a sociedade brasileira não confunda os crimes – uma coisa é nepotismo, outra é lobby, uma coisa é corrupção, outra é assassinato.


O conteúdo das gravações das conversas de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, é dinamite pura. À primeira vista, parece inocente, mais um dos milhares de casos de nepotismo. Porém uma avaliação mais detalhada das transcrições evidencia prevaricação e quebra de decoro. A parte mais explosiva das conversas não está no pedido de emprego para o namorado da neta, a bomba está na conversa de Sarney pai com Sarney filho congratulando-se pela concessão de mais uma repetidora de TV para o conglomerado de mídia da família, um dos maiores do Nordeste.


Um congressista não pode acumular interesses – ou serve ao Estado ou serve aos seus negócios. Um legislador que supervisiona concessões não pode ser simultaneamente concessionário de um serviço público.


A alegre conversa captada pela Polícia Federal comprovou uma situação ilícita e inconstitucional. O chefe do Legislativo está usando o seu imenso poder para beneficiar-se política e materialmente.


A imprensa não priorizou até ontem este grave delito porque José Sarney quando envergava a faixa presidencial inventou a trapaça de trocar apoios por concessões de rádio e TV aos congressistas. Calcula-se que metade dos parlamentares esteja na mesma situação delituosa.


Acabar com a farra das concessões de radiodifusão poderia sanear definitivamente a estrutura da nossa mídia eletrônica – mas o governo teria coragem de enfrentar o ressentimento de metade das duas casas legislativas? Claro que não.


Os conglomerados de mídia seriam capazes de fazer uma cruzada que poderia quebrar o seu poder? Claro que não.


A gravação das conversas telefônicas dentro do clã Sarney teve amparo legal, ilegal foi o vazamento de informações protegidas pelo segredo de justiça. No entanto, ninguém discute esta questão. É uma formalidade e a sociedade brasileira tem absoluto desprezo pelas formalidades.


O processo de alijar Sarney da presidência do Senado é irreversível, mas o vale-tudo pode levar a uma perigosa ruptura. Constantemente provocada e desafiada, a mídia agora já não tem condições para pisar no freio.