Os jornais de hoje oferecem dois grandes exemplos de como o capitalismo tem vicejado no Brasil.
O primeiro deles, o mais escandaloso, se resume numa conversa telefônica entre o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, e um de seus filhos, que havia sido nomeado para um emprego-fantasma no gabinete do senador maranhense Epitácio Cafeteira.
No diálogo, o empresário e seu filho zombam do fato de o rapaz nem aparecer no Senado para receber sua mesada paga com dinheiro público.
Há outras conversas gravadas, uma delas entre Fernando Sarney e seu pai, o senador José Sarney, nas quais se revela como o presidente do Senado comandava o então diretor geral da casa, Agaciel Maia, nas missões de distribuir empregos entre os membros de sua família.
O noticiário divulgado pelos jornais desta quarta-feira mostra como o velho senador, seus filhos e netos, bem como os apaniguados e agregados em geral, têm tratado o Senado Federal como uma extensão de seus negócios particulares.
Até mesmo questões como a troca de um carro, desejo manifestado pelo neto, foram resolvidas com dinheiro público.
Final feliz
As gravações ainda registram o ‘final feliz’ de um esforço do senador na esfera pública para atender aos interesses de sua família na esfera privada, quando José Sarney transmite ao filho a notícia de que havia conseguido uma nova concessão do Ministério das Comunicações, para ampliar a rede de retransmissoras da Rede Globo no Maranhão sob controle da TV Mirante, empresa da família, dirigida por Fernando Sarney.
Os diálogos têm uma naturalidade de quem nada teme, de quem usa e abusa do poder público.
Ao persistir na cobertura dos escândalos que conduzem à patética figura de José Sarney, a imprensa presta ao Brasil o serviço de desmascarar certa espécie de empresa que se apresenta ao mercado com credenciais capitalistas, mas atua como aqueles empreendimentos do tempo das capitanias hereditárias – sempre penduradas no tesouro público.
A boiada de papel
Outra notícia que dá conta das entranhas do capitalismo brasileiro anuncia duas medidas controversas, em termos jurídicos, tomadas pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 3ª Região Federal em São Paulo.
Com base nas investigações que ficaram conhecidas como Operação Satiagraha, De Sanctis decretou o sequestro de todo o complexo agropecuário pertencente ao banqueiro Daniel Dantas.
São ao todo 27 fazendas nas quais estão registradas 453 mil cabeças de gado, cujas atividades são suspeitas de terem ocultado operações de lavagem de dinheiro.
A principal propriedade do grupo, chamada Santa Bárbara Xinguara, já esteve envolvida em notícias sobre desmatamento irregular e outros crimes, como a criação de ‘bois de papel’, que seriam usados para justificar rendas de origem ilegal.
Em outra medida polêmica, tomada também nesta semana, o juiz havia determinado a liquidação do fundo de investimento em ações do Banco Opportunity.
Essa medida acabou sendo suspensa por uma desembargadora da Justiça Federal, sob a justificativa de que o prazo de 48 dado por De Sanctis poderia trazer consequências imprevisíveis ao mercado financeiro, causando prejuízos a investidores não envolvidos nas questões criminais.
Os especialistas ouvidos pelos jornais produzem uma polêmica, na qual pontificam opiniões tão diversas que não há como o leitor chegar a uma conclusão.
Em todo caso, fica o registro de mais um episódio em que um lustroso empreendedor, que já foi incensado pela imprensa em outros tempos como exemplo do vigoroso capitalismo brasileiro, se revela na verdade suspeito de haver construído ou reforçado seu patrimônio à margem das regras regularmente aceitas pelo mercado.
Se o capitalismo tem como pedra fundamental a livre concorrência, tanto Fernando Sarney como Daniel Dantas não deveriam mais ser qualificados pelos jornais como empresários.
A julgar pela frequência com que costumam aparecer no noticiário policial, já é tempo de a imprensa dar os verdadeiros nomes aos bois.
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Jornalista