‘O XIS DA QUESTÃO – Não há como relatar fatos, nem como comentá-los, sem a escolha de uma perspectiva valorativa, da qual o repórter fará parte – inevitavelmente! No ato e na arte de narrar, a escolha da perspectiva é prerrogativa inalienável do narrador. Qualquer que seja o texto. Quem no jornalismo opta pela auto-anulação, por causa do chefe ou do patrão, não fará História nem servirá de exemplo. Vira moço de recados.
1. De perspectiva e objetividade
Tempos atrás, já lá se vai talvez um ano, de passagem pelo Rio de Janeiro, fui ver uma exposição de 83 gravuras de Rembrandt, o mestre holandês que viveu entre 1606 e 1669. As peças expostas, trazidas ao Rio de Janeiro pela Fundação Banco do Brasil, eram obras originais e faziam parte do acervo do Museu Het Rembrandthuis, de Amsterdã.
Era uma exposição impressionante. Vistas à lupa (como se recomenda olhar a arte da gravura), as obras revelavam, na riqueza dos detalhes, o domínio surpreendente que Rembrandt tinha das técnicas de sulcar imagens e idéias em matrizes metálicas, para a reprodução gráfica.
Faltaram lupas para boa parte dos visitantes. Acabei integrado ao grupo dos ‘excluídos’. Com discretos atrevimentos, pude, porém, espreitar em lupas alheias, no detalhe dos traços, requintes técnicos de percepção impossível a olho nu.
Mas as lupas não me revelaram o artista, apenas indícios dele. Já sem lupa, na apreensão visual da totalidade de cada peça, lá estava ele, o artista inventor que, no traço, realizava o belo.
E onde estava o artista, tão escondido que a lupa não o alcançava?
Estava na perspectiva, fazendo parte dela, e nela expressando a sua visão do mundo ali manifestado.
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Antes de seguir adiante, e porque o jornalismo deverá ser tema da nossa conversa, convém perguntar: e o que o jornalismo tem a ver com a arte, as perspectivas e as subjetividades de Rembrandt, se do jornalismo se espera – na argumentação dos defensores da objetividade – relatos e comentários baseados em fatos, dos quais o observador não deve fazer parte?
Pois me parece estar aí um formato inviável de narração e argumentação jornalística. Não há como relatar fatos, nem como comentá-los, sem a escolha de uma perspectiva valorativa, da qual o repórter e o comentarista farão parte – inevitavelmente!
2. De rótulos e conceitos
Vem essa introdução a propósito do uso do termo ‘popular’ para identificar e qualificar publicações e programas que nada têm de populares. E não são populares pela simples razão de praticarem uma narração, dita jornalística, feita de verborragia hipocritamente populista, nutrida pela miséria e pela dor alheia – e isso os caracteriza e camufla. Consciente ou inconscientemente, exploram os fracos e os humildes, numa estratégia de perpetuação da exclusão social. E ainda se passam por libertários e justiceiros.
A aceitação de que o termo popular serve para identificar esse tipo de jornalismo deprecia o conceito, na medida em que o deforma. De popular deveria ser chamado o jornalismo que assume o discurso e as razões dos mais fracos e dos mais pobres, como perspectiva preponderante na narração dos conflitos. Coisa que esses jornais e programas não fazem. Mas que qualquer jornalista criativo, honesto, fiel ao ideário da profissão, saberá e poderá fazer, qualquer que seja o veículo em que trabalhe.
Há quem diga e acredite ser isso impossível, por causa dos patrões e dos chefes, senhores das razões do lucro e do poder. Pois penso que essa é uma boa desculpa para a preguiça intelectual, a falta de criatividade e a ausência de idealismo de profissionais acomodados ou medíocres. Porque, se assim fosse, não haveria jornalista nem jornalismo elogiáveis no planeta. E todos nós temos, na nossa agenda de mitos, a referência de alguns grandes profissionais que admiramos e nos servem de exemplo, mesmo no Brasil.
Será que esses jornalistas exemplares trabalham sem chefes e sem patrões?
Caco Barcelos (um dos nomes que a mim serve de referência), por exemplo, faz reportagens numa das empresas nacionais de comunicação mais execradas pelos críticos visceralmente céticos. Pois nessa empresa, de tanta história suja, Caco sempre fez jornalismo comprometido com ideais de justiça, paz, fraternidade e democracia. E que perspectiva ele assume para pensar e fazer suas reportagens? Esta, por ele próprio revelada, em entrevista à revista Imprensa, creio que em dezembro de 2002:
‘O trabalho do jornalista deve ser centrado no brasileiro comum, que ganha 300 reais por mês para sustentar a família. Essa é a grande autoridade a quem devo procurar.’
3. De escolhas e razões
Se o jornalista quiser ser autor do seu próprio trabalho, terá de escolher, assumir e impor perspectivas aos relatos e comentários que escreve. Sem a desculpa de que obedece a chefes e patrões malvados.
No ato e na arte de narrar, a escolha da perspectiva é prerrogativa inalienável do narrador. Qualquer que seja o texto. Quem opta pela auto-anulação, por causa do chefe ou do patrão, não fará História nem servirá de exemplo.
Também não chegará a destino brilhante quem se limitar a relatar rusgas entre situações e oposições, nos variados campos dos confrontos institucionais. Quem faz essa escolha renuncia à arte que deveria ser sua, na medida em que exclui os contextos humanos da percepção e do relato dos conflitos. Fala da pobreza sem ouvir os pobres; debate o desemprego sem dar voz aos desempregados; simula retóricas de inclusão social dando espaço e veneração a quem produz a exclusão.
Se olharmos, porém, com olhos de ver, o trabalho de jornalistas como Caco Barcelos, descobrimos que a razão do seu sucesso e da respeitabilidade construída ao longo das respectivas carreiras está no fato de entenderem que os conflitos da democracia só têm relevância na medida em que interferem ou podem interferir no aperfeiçoamento da sociedade. E como já várias vezes escrevi aqui, penso que é do lado da sociedade que o jornalismo tem de ficar, aceitando, como razões do agir jornalístico, os valores que a organizam e lhe dão sentido.
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O artigo 5º da Constituição do Brasil começa assim: ‘Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)’, com garantias da ‘inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)’.
Por isso se luta, na democracia. E para relatar e comentar essas lutas existe, se pensa e se faz jornalismo. Se acreditamos nisso, eis aí uma bela perspectiva popular para iluminar pontos de vista, no nosso trabalho de observar, relatar e comentar os acontecimentos da atualidade.’
Olavo de Carvalho
‘Inversão total’, copyright O Globo, 22/05/04
‘Ninguém ignora que o signatário desta coluna se mantém à distância de toda filiação política, que suas idéias não se alinham com as de qualquer partido, grupo organizado, lobby , sociedade secreta ou coisa do gênero.
Não obstante, é ele, e não os porta-vozes dessas entidades – mesmo quando militantes de carteirinha ou notórios agentes de influência profissionais — quem recebe o rótulo de opinador ideologicamente comprometido, que como tal deve ser ouvido com toda a suspicácia necessária para descontar, do que ele diz, a quota presumidamente enorme de obliqüidade partidária deformante.
O cineasta que faz a apologia devota de Che Guevara, o pretenso sacerdote que macaqueia o ritual da missa para igualar Lula a Jesus Cristo, o repórter que inventa crimes impossíveis para sujar a reputação das Forças Armadas, o colunista que não passa um dia sem dar sua cuspida ritual na imagem satanizada de George Bush, esses não são nunca suspeitos de viés ideológico: são as personificações mesmas do sadio realismo, da normalidade, do justo meio-termo.
Por isso nenhum deles vem citado na mídia como ‘escritor de esquerda’, ‘artista de esquerda’, ‘jornalista de esquerda’ ou coisa assim. Cada um é ‘escritor’, ‘pensador’, ‘artista’ tout court , tornando claro que fala em nome de toda a sua classe e não de uma parcela atípica e extravagante. O privilégio de ter o nome da sua ocupação associado sempre a um carimbo ideológico restritivo pertence à direita: ‘pensador de direita’, ‘escritor de direita’ etc. Assim distinguem-se o todo e a parte, a norma e o desvio, o certo e o duvidoso. Assim institui-se a discriminação como prática consuetudinária que, pela sua própria constância abrangente, já nem parece discriminação.
Mais disseminada ainda é a quantificação que realça a anormalidade do desvio: qualquer coisa que esteja à direita da fronteira tucana é ‘extrema’ direita, é ‘ultradireita’. Mas estar à esquerda da mesma linha divisória não é de maneira alguma ser de ‘extrema esquerda’ ou ‘ultra-esquerda’. Mesmo quem faça causa comum com as Farc, com Fidel Castro e com Hugo Chávez não será jamais de ‘extrema esquerda’.
Tal é o uso lingüístico consolidado, nascido em jornalecos e panfletos de partido, mas hoje incorporado aos hábitos da grande mídia, da mídia profissional. Escrever assim, hoje, é ser idôneo e suprapartidário. Recusar-se a fazê-lo é extremismo de direita.
Se, observando a generalidade desse fenômeno, noto que coincide milimetricamente com a definição gramsciana da onipotência ideológica invisível, é, naturalmente, porque sou um extremista, e não porque essas coisas estejam realmente acontecendo. O fato de que elas possam ser comprovadas empiricamente pela estatística dos giros semânticos nada significa. E, se lembro ao interlocutor que na teoria de Gramsci a referida onipotência inclui o poder de neutralizar como ‘aberração’ a denúncia da sua própria existência, isso não é porque estudei Gramsci e sei o que ele diz: é porque eu próprio sou, no estrito sentido gramsciano, uma aberração.
Não, não é a opinião pública que, levada pela lenta e sutil manipulação do vocabulário, vai cada vez mais para a esquerda imaginando continuar no centro, como o bebê que acredita ver, da janela do ônibus, o mundo correr para trás enquanto ele permanece imóvel no colo de sua mãe. Sou eu que exorbito, indo cada vez mais para a direita ? para a extrema-direita – e vendo, em meus delírios, o centro ir para a esquerda.
Agora mesmo, o colunista Arnaldo Bloch acaba de me rotular de proclamador de absurdos, porque eu disse que o partido governante tem uma aliança política com as Farc e o MIR chileno. O fato de que essa aliança tenha sido reiterada em dez anos de atas e resoluções do Foro de São Paulo, assinadas pelo seu fundador e presidente Luiz Inácio Lula da Silva junto com os representantes daquelas entidades, só prova, portanto, que ela jamais aconteceu. De que valem afinal montanhas de documentos, quando contrariam uma crença subjetiva nascida do completo vácuo de informações e alardeada em tom de certeza auto-evidente?’
LIBERDADE DE IMPRENSA
‘Controle da imprensa divide jornalistas e estudiosos’, copyright Tribuna da Imprensa, 21/05/04
‘Quem fiscaliza a atuação da imprensa – ela própria, a sociedade, ou o poder público? A questão dividiu opiniões ontem, primeiro dia do IV Seminário Internacional de Comunicação de Brasília, promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Senado e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
‘é necessário um órgão regulador, não para censurar, mas para defender o cidadão’, afirmou o jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, representante da ONG TVER e professor da USP.
Foi contestado pelo diretor-executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Fernando Martins, que afirmou: ‘Por trás da proposta de controle, estão embutidos a censura e o cerceamento à liberdade de imprensa’.
O diretor de Comunicação da CNBB, d. Orani Tempesta, citou a afirmação do papa João Paulo II, de que a liberdade de imprensa exige ‘responsabilidade’ da mídia, dos agentes comunitários, das autoridades e dos pais de família.
O correspondente na América Latina dos jornais suecos ‘Göteborgs-Posten’ e ‘Sydsvenska Dagbladet’, Henrik Jönsson, lembrou que a função de ‘ombudsman’ (ouvidor) da imprensa surgiu na Suécia, onde não existe legislação específica sobre jornalismo, e sim uma ‘autodisciplina’ da mídia, fiscalizada por um Conselho de Imprensa.
Responsabilidade
No ano passado, esse conselho moveu processo contra vários jornais por apontarem um homem inocente como responsável pelo atentado a faca em que morreu a ministra Ana Lind.
‘Agora, esse homem vai ganhar a maior indenização da história da Suécia.’ A diretora-técnica da Unesco no Brasil, Marlova Noleto, que considera necessária uma ‘auto-regulação’ por parte da imprensa, enfatizou ‘a importância da responsabilidade, que precisa ser de todos’ os setores envolvidos.
A ‘responsabilidade’ foi enfatizada também pelo jornalista e senador Hélio Costa (PMDB-MG), mas ele disse que o País precisa de uma lei ‘que incentive o jornalismo responsável e sério’ e afirmou que a regulamentação da legislação sobre a imprensa ‘é o problema mais difícil que temos para resolver.’
Costa qualificou de ‘irresponsável’, por exemplo, o procedimento de canais de TV que exibem ‘reconstituições’ de estupros no horário da tarde. No entender do senador, isso prova que é necessário o ‘minimus minimórum’ (mínimo do mínimo) de controle. ‘Nada é proibido, mas é preciso ter um código de ética’.
O diretor da ANJ, Fernando Martins, aconselhou a platéia – estudantes de jornalismo, na maioria – a ‘desconfiar de qualquer proposta de controle’, porque elas ‘sempre resultaram em queima de livros, prisão e assassinato de jornalistas.’ Ele lembrou que o ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, exerceu controle ‘rígido sobre jornais, rádios e livros’.
Martins apontou como emblemático o caso mencionado pelo diretor-secretário Editorial e de Relações Institucionais do Grupo Abril, Sidnei Basile, de uma pequena emissora pública de TV de Tucson (EUA) que fez uma pesquisa com a população e, a partir das respostas, elaborou uma ‘carta dos direitos do espectador’.
O presidente da TV Comunitária de Brasília, jornalista Beto Almeida, afirmou que uma forma de ampliar o acesso do público à informação seria ampliar o espaço das tevês comunitárias. ‘Não se vigia a imprensa pela censura, mas pela diversidade, pluralidade e democracia’, disse.’
GUERRA & MÍDIA
‘Arma de guerra’, copyright Folha de S. Paulo, 20/05/04
‘Desde a guerra da Argélia (1954-1962), a idéia de ‘guerra assimétrica’ tornou-se o princípio orientador da estratégia antiocidental. Inspirado no ‘combate indireto’ de Sun Tzu, cuja ‘Arte da Guerra’ já circulava em edições oficiais na URSS e nos países-satélites nos anos 50, o conceito é, em essência, o de uma luta em que um dos lados não admite freios de espécie nenhuma: pode fazer o que bem entender e ainda explorar como arma os compromissos morais, jurídicos e sociais que amarram as mãos do adversário.
A guerra assimétrica é a sistematização militar da máxima enunciada em 1792 pelo deputado Collot d’Herbois, na Convenção francesa: ‘Tudo é permitido a quem age a favor da revolução’.
Um analista estratégico canadense, o capitão de fragata Hugues Letourneau, assinala que a Frente de Libertação Nacional argelina recorria corriqueiramente a ‘greves gerais, emboscadas, terrorismo praticado contra sua própria população e contra outras organizações argelinas de libertação, assassinatos, torturas, mutilações, subtração de grandes somas de dinheiro da população civil, sabotagem industrial e agrícola, destruição de bens públicos, intimidação e morte de presumidos colaboracionistas, campanhas de desinformação etc.’. Enquanto isso, qualquer mínimo ato ilegal das forças de ocupação era usado pela intelectualidade ativista de Paris como instrumento de chantagem moral para manter o governo francês paralisado pelo medo do escândalo.
Para surtir efeito, a assimetria deve se impregnar profundamente nos hábitos de julgamento da opinião pública, de modo que esta não perceba a imoralidade intrínseca das cobranças pretensamente morais que faz a um dos contendores enquanto concede ao outro o benefício da indiferença ou do silêncio cúmplice. Um exemplo é o desnível de tratamento dado às ocupações do Iraque e do Tibete, orientado de modo a instilar no público a impressão de que uma operação militar temporária, calculada como nenhuma outra antes para evitar danos à população civil, é um crime mais grave do que a ocupação contínua, a destruição premeditada de uma cultura milenar e o genocídio permanente que já fez um milhão de vítimas.
A assimetria, aí, consagrou-se de tal modo como direito natural inerente a um dos antagonista que a simples sugestão de comparar a atuação americana à chinesa já soa como extemporânea, de mau gosto e suspeita de cumplicidade venal com ‘interesses inconfessáveis a soldo de Wall Street’ (este mesmo artigo, é claro, entrará nessa classificação). Do mesmo modo, meia dúzia de abusos sangrentos cometidos pelos soldados americanos no Iraque -inevitáveis em toda guerra, por mais que as autoridades policiem suas tropas- já aparecem na mídia como crueldades mais odiosas do que a prática habitual da tortura e dos assassinatos políticos em tempo de paz, comuns em tantos países islâmicos, sem contar as perseguições religiosas (jamais noticiadas no Brasil), que ali já mataram mais de 2 milhões de cristãos nas últimas décadas.
A guerra assimétrica é mais facilmente praticada por organizações revolucionárias, isentas dos compromissos que pesam sobre os Estados constituídos. Mas alguns Estados que dão respaldo discreto a esses movimentos podem também utilizar-se da mesma estratégia. Um livro recente de dois coronéis chineses, ‘A Guerra para Além das Regras’, publicado em 1999, mostra que o governo da China está profundamente envolvido na guerra assimétrica antiamericana. E essa guerra não seria assimétrica se, tão logo o seu conceito se tornou de domínio público, a responsabilidade pelo uso maciço da técnica perversa não fosse jogada sobre as costas, justamente, da sua principal vítima.
Poucos dias depois do 11 de Setembro, o ‘Le Monde Diplomatique’ referia-se, com notável cara de pau, à ‘estratégia oficial americana da guerra assimétrica’. Não explicavam, evidentemente, como os EUA poderiam fazer guerra assimétrica sendo, no mundo, o Estado mais exposto ao julgamento da opinião pública e não possuindo na mídia internacional -aliás, nem mesmo na americana- uma rede organizada de colaboradores como aquela de que dispõem os movimentos antiamericanos, hoje capacitados a impor a toda a população mundial, em poucas horas, a sua própria versão dos acontecimentos, simulando convergência espontânea.
Mais eficiente ainda é a operação quando realizada em terreno previamente preparado pela ‘ocupação de espaços’ gramsciana, que, bloqueando e selecionando as fontes de informação, predispõe o público a aceitar como naturais e inocentes as mais artificiosas manipulações ideológicas do noticiário.
No Brasil, por exemplo, está proibido há pelo menos três décadas o acesso à opinião dos conservadores americanos. Seus livros -milhares de títulos, muitos deles clássicos do pensamento político- nunca são traduzidos nem constam de nenhuma biblioteca universitária. Suas idéias só chegam ao conhecimento do público nacional por meio da versão comunista oficial, monstruosamente distorcida, criada em 1971 pelo historiador soviético V. Nikitin no livro ‘The Ultras in the USA’ e até hoje repassada servilmente de geração a geração, nas escolas e nos jornais, por uns quantos espertalhões conscientes e milhares de idiotas úteis que não têm idéia da origem remota de suas opiniões.
Quem, criado nesse meio, pode suspeitar que há algo de errado no bombardeio de notícias que fazem de George W. Bush uma espécie de Stálin de direita? Furar o bloqueio é desafio que só estudiosos aplicados podem vencer, mediante esforços de pesquisa que não estão ao alcance do cidadão médio. E a voz desses estudiosos soa ridiculamente inaudível quando tentam alertar a população para essa realidade temível: desde o advento da estratégia assimétrica, a desinformação, no sentido técnico e literal do termo, a desinformação como arma de guerra, tornou-se a ocupação mais constante e regular da grande mídia, suplantando de longe a incumbência nominal que um dia foi a do jornalismo.
O perigo a que isso expõe a população é monstruoso e não diminuirá enquanto a sociedade civil não instituir a ‘fiscalização externa’ da mídia, submetendo a processo judicial por propaganda enganosa os órgãos que se recusarem a transmitir de maneira fidedigna e quantitativamente equilibrada as informações e opiniões provenientes de fontes opostas entre si. Olavo de Carvalho, 57, jornalista e ensaísta, é autor de, entre outros livros, o ‘O Jardim das Aflições’ (É Realizações, 2001).’