‘A FOLHA se equiparou aos veículos eletrônicos que alguns de seus colunistas tanto condenam na cobertura do caso Isabella ao publicar no pedaço mais nobre de sua primeira página de 19 de abril foto do bando de pessoas que se aglomeraram em frente à delegacia onde o crime é investigado para ‘celebrar’ o aniversário da menina e insultar e tentar agredir os suspeitos.
Episódios como o assassinato dessa garota costumam despertar em muitos seres humanos seus piores instintos. Os meios de comunicação de massa, quando abrem espaço para mostrar sua imagem, acabam por premiar o comportamento dessas criaturas, que parecem buscar seus 15 minutos de fama ou descarregar, catarticamente ou não, sua fúria represada.
É óbvio que a mídia precisa cobrir o caso Isabella. Nenhum outro assunto desperta tanto interesse, discussões, comentários do público. Ignorá-lo seria contrariar os princípios essenciais do jornalismo e não ajudar a ninguém.
Mas o que se espera da Folha em situações como esta é que ela não caia na vala comum de outros meios, que parecem só se guiar pela satisfação imediata dos desejos aparentes da audiência. Mesmo que a maioria esmagadora dos leitores exigisse detalhes mórbidos, descrições escabrosas, cenas fellinianas, o jornal deveria recusar-se a fornecê-los.
A comunicação social é um negócio, claro, e deve se orientar pelo objetivo de fazer lucro para as empresas que o exercem. Mas não é só isso. Ela também impõe deveres sociais e, em minha opinião, os jornais impressos têm a obrigação de levar mais a sério do que qualquer concorrente a missão de dialogar com a sociedade para melhorar a cidadania.
Felizmente, o que os leitores da Folha majoritariamente têm pedido neste caso não é sensacionalismo. Eu li 67 mensagens enviadas ao jornal sobre o assunto. Algumas demonstravam que seus autores haviam entrado no clima orwelliano que os programas de TV do gênero ‘reality show’ parecem ter conseguido instaurar como imperativo social em muitos países, Brasil inclusive.
Mas quase a metade expressava inconformismo com o que um leitor chamou do ‘circo’ em que se transformou a tragédia. Muitos exigiam menos: menos destaque, menos fotos, menos máquinas fotográficas no rosto dos personagens da notícia.
Cerca de um quarto das manifestações pedia que o jornal fosse mais crítico em relação ao trabalho da polícia, que aceitasse com menos credulidade todas as explicações que vêm sendo dadas, que não se transformasse numa linha de transmissão das hipóteses oficiais.
Vários leitores lembraram-se do tristemente célebre exemplo do caso Escola Base, de 1994, quando a mídia ajudou a destruir a vida de seis pessoas, inocentes das acusações que lhes faziam, por embarcar sem restrições nas conjeturas dos policiais que investigavam a história e pré-julgar os réus com base em supostas evidências.
Uma análise isenta comprovará que, em geral, os veículos de comunicação, os impressos especialmente e a Folha em particular, aprenderam com o passado. A cobertura deste jornal do caso Isabella é muito mais cuidadosa do que havia sido a da Escola Base.
Mas têm ocorrido vários escorregões, como a foto da capa do dia 19, a falta de espírito crítico, o excesso de minúcias desagradáveis, insinuações sem fundamento, ilações gratuitas.
O que se espera da Folha é que ela jogue luzes para que a sociedade toda possa compreender melhor por que desgraças como essas acontecem e por que as pessoas reagem a elas como reagem.’
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‘Credibilidade e influência’, copyright Folha de S. Paulo, 26/4/08.
‘Leitores manifestaram estranheza com a afirmação na entrevista do ombudsman no domingo de que a imprensa brasileira não perdeu credibilidade como a americana, mas tem perdido influência sobre o eleitorado. Viram contradição entre manter credibilidade e perder influência.
Instituições podem ter grande credibilidade e pequena capacidade de influenciar as pessoas, especialmente em alguns assuntos específicos. A Igreja Católica pode gozar de credibilidade entre seus fiéis, mas influenciá-los pouco em temas como práticas anticoncepcionais, legalização de pesquisas com células-tronco, eutanásia.
Há pessoas em quem parentes e amigos confiam, mas em quem não se baseiam para formar opiniões a respeito dos mais variados itens.
A imprensa americana vem perdendo credibilidade contínua e agudamente porque jornais e revistas foram pegos em mentiras flagrantes.
Credibilidade é algo que se pode mensurar. Nos EUA isso tem sido feito sistematicamente ao longo de muitas décadas. O General Social Survey constata que a credibilidade da imprensa agora é mais baixa que a do Congresso, do Poder Executivo, do Judiciário, de empresas.
No Brasil, as séries históricas são menos consistentes. Mas nenhuma pesquisa mostra no Brasil fenômeno similar ao americano.
A mais recente que conheço, de setembro de 2007, feita para a Associação dos Magistrados Brasileiros, mostra que a população acredita muito mais na imprensa do que no governo, no Congresso, nos partidos, nos políticos. Mas parece não estar se influenciando tanto por ela na hora de votar.’
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‘Frases de leitores’, copyright Folha de S. Paulo, 26/4/08.
‘A imprensa brasileira, na sua grande maioria, se transformou num grande negócio, onde o que importa é dar a maior repercussão possível na notícia…
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IÊDA MARIA A. OLIVEIRA
Sou apenas uma universitária, porém eu acredito que as nossas idéias, opiniões e atitudes possam ser um diferencial, embora pequeno…
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CLAUDIA COSTA
PARA LER
‘Mídia e Violência’, de Silvia Ramos e Anabela Paiva (Iuperj, 2007) – Análises sobre tendências da cobertura da criminalidade no Brasil (disponível para download no site www.comunidadesegura.org)
PARA VER
‘A Montanha dos Sete Abutres’, de Billy Wilder, com Kirk Douglas – Clássico do cinema sobre a exploração pela mídia da desgraça alheia (à venda por US$ 24,99, em inglês, no site www.amazon.com e em sites que negociam vídeos usados no Brasil
‘O Quarto Poder’, filme de Costa Gavras com Dustin Hoffman e John Travolta (1997) – Bom filme sobre como a mídia pode tentar manipular tragédias em proveito próprio (a partir de R$ 14,90)
ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA
1. Caso Isabella
2. Greve dos auditores fiscais
3. Declarações do general Augusto Heleno
ONDE O JORNAL FOI BEM
Agilidade
Embora tenha sido completamente inesperado e ocorrido tarde da noite na noite de terça, o terremoto de São Paulo mereceu uma boa cobertura na edição de quarta
Inclusão
Ótimo conjunto de reportagens sobre veículos para portadores de deficiência física no suplemento Veículos de domingo
E ONDE FOI MAL
Alarmismo
Na manchete de quinta-feira: é duvidoso que o acúmulo de agrotóxicos em frutas e legumes constitua ameaça tão séria à saúde pública a ponto de merecer manchete
Atraso
Levou dois dias para o jornal acordar para a importância da eleição de Fernando Lugo para a Presidência do Paraguai. O tema nem constou da primeira página de domingo, dia da eleição
Exagero
Espaço nobre e vasto na edição de segunda para registrar que autoridades do primeiro escalão do governo federal compraram cargas de caneta, revistas, isqueiros e guarda-chuvas
Contradição
Reportagem disse que adiamento de anúncio do aumento para os militares se deveu às declarações do general Heleno; coluna ‘Painel’ disse que não; leitor não sabe quem está certo.’