Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carta aberta ao diretor de Redação

Sr. Otavio Frias Filho

Quando o seu jornal fez o infeliz editorial de 17 de fevereiro próximo passado, a sua Folha se defrontou com um problema. Quando os senhores fizeram as notas da redação e, na segunda nota, ofenderam dois grandes intelectuais, o seu jornal ganhou gratuitamente mais um problema. Portanto, o que já era um grande problema se transformou em dois problemas maiores.

Numa carta que escrevi ao ‘Painel do Leitor’ disse que a referida nota da redação era tosca e infantil.

Tosca porque não admitia a bobagem que veiculou e infantil porque saía atacando figuras ilibadas que se revoltaram com a tentativa de distorcer a história.

A sua Folha se retratou semanas depois, a partir da pressão de leitores e cidadãos, dizendo da inconveniência do termo ‘ditabranda’ e admitiu que errou.

De fato, como diz seu ombudsman, não é corriqueiro na história do jornalismo brasileiro retroceder e admitir erro.

Principalmente quando o erro é do dono do jornal. É fato também que a Folha é um jornal que incentiva e preserva o cargo de ombudsman. Como a nossa imprensa é muito oligárquica e comprometida com a elite nacional mais atrasada, poderíamos compará-la ao velho ditado: ‘Em terra de cegos, quem tem um olho é rei’. Este ditado popular cabe perfeitamente na situação.

Aprofundamento da democracia

A sua Folha tem muito ainda que se democratizar, precisa ‘conquistar mais um olho’. Isto se evidencia pelo encerramento abrupto e radical do debate através da não publicação de nenhuma carta mais de leitores, apesar da enorme quantidade de manifestações e, por não admitir que errou, de novo, em relação a dignos intelectuais.

E ainda, nesta segunda parte, tenta colar aos professores Benevides e Comparato a pecha de falsos democratas. Muito se escreveu, inclusive articulistas de seu jornal, em textos e blogs. Inferiam que eles aprovavam as reeleições infinitas na Venezuela (fato completamente equivocado e ignorante, do que pensam estes intelectuais). Outros querendo equipará-los a regimes distantes descomprometidos com toda a gama dos direitos humanos. Tudo para justificar a dureza da nota da redação. Virou até piada.

O professor Comparato, no seu livro Ética, como também em carta de 2004, publicada no seu ‘Painel do leitor’ (bem lembrada pelo seu ombudsman), e também em manifesto assinado junto com a professora Benevides, já se posicionaram contra toda afronta aos direitos humanos e a necessidade de aprofundamento da democracia no Brasil e no mundo; além de aulas, artigos, palestras e entrevistas publicadas de ambos.

Autopunição por episódio infeliz

E a sua Folha, na responsabilidade do senhor Diretor de Redação, continua reagindo de forma infantil, pois, como se não bastasse, em mais uma recente nota infeliz da redação, diz que eles tentam se aproveitar ao máximo da situação. Máximo eles poderiam tirar, por exemplo, comparecendo ao ato em frente à sua Folha, o que não fizeram, apesar da insistência dos organizadores em tê-los como eixo principal da manifestação. Sem falar no reparo econômico cabível pelos danos morais. Dizer que usam uma lei (lei que juristas dizem ser uma verdadeira ‘mãe’ para a imprensa) feita no período ditatorial (reconhecer o período, diga-se, é novamente um avanço) e que a sua Folha publicaria sem precisar de notificação, o justo direito de resposta dos professores.

Senhor Otavio, preste atenção: eles não têm um jornal na mão, nem mesmo o espaço de veiculação que o senhor tem. Foram ofendidos.

Por erros muito menores, sei que o senhor já demitiu repórteres. Por muito menos, já rebaixou avaliações de seus jornalistas. Infelizmente, observo que deva ser difícil se autopunir por tal infeliz episódio.

Seção ‘Mentimos’

Gostaria de lhe fazer uma sugestão: reconheça publicamente que errou também em relação aos professores Benevides e Comparato.

No ato de protesto em frente à sua Folha, comparado somente a campanha das ‘Diretas Já’, com o grito popular ‘Fora Rede Globo, o povo não é bobo!’, um depoente sugeriu que a Folha mudasse a seção ‘Erramos’ para ‘Mentimos’. Não estou lhe sugerindo isto, mas, espero que tenha a humildade, sensibilidade, dignidade e maturidade para recuar também no ‘erro’ com dois dos nossos grandes intelectuais, que vêm lutando há décadas para que tenhamos uma democracia de fato, isto é, uma democracia com o povo soberano e com os direitos humanos respeitados de forma incondicional.

Faça isto pela nossa democracia e pela sua consciência.

Atenciosamente, Maurício Piragino

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Diretor da Escola de Governo de São Paulo