Ao Diretor de Redação, Veja:
Envio-lhe esta terceira mensagem porque o Sr. olimpicamente ignorou as duas anteriores, embora fosse minha a posição correta, em termos jornalísticos e éticos. Então, para ter a certeza de que os leitores da Veja poderão ter acesso ao ‘outro lado’ – o qual lhes vem sendo sistematicamente sonegado pela revista –, faço desta uma carta aberta.
Na edição de 09/05/2007, a Veja publicou no espaço informativo a matéria ‘Um perigo chamado MR-8’, sobre o mesmo assunto e com o mesmíssimo enfoque alarmista da coluna semanal de Diogo Mainardi, o que, em si, já seria ridículo para qualquer veículo da grande imprensa, à qual cabe fazer jornalismo e não proselitismo.
Nos dois textos, uma afirmação obscura do jornal de um pequeno partido serviu como pretexto para a delirante acusação de que se trataria de uma exortação ao assassinato de Mainardi. Em nenhum momento a Veja ressalvou que a frase comportava outras interpretações, como a de que seu colunista, além do dinheiro que perdeu ao ser condenado pela Justiça como caluniador, poderia ser privado também da liberdade por um juiz de ‘alma pia’.
O tratamento parcial e bombástico dado à pretensa ameaça de morte no texto ‘informativo’ foi reforçado pela coleta de depoimentos de apoio junto a personalidades que têm óbvios motivos para preferirem continuar nas boas graças da Veja.
Cabe a pergunta: se o MR-8 cometeu crime tão grave como o de incentivar um homicídio, por que Mainardi e a Veja não o denunciaram à Justiça? A resposta, claro, é serem eles os primeiros a saber que se tratou apenas de uma tempestade em copo d’água e que nenhum tribunal do mundo condenaria alguém a partir de uma afirmação tão ambígua e inconclusiva. Então, optaram por tentar obter dos leitores uma condenação que jamais conseguiriam dos juízes.
Isto tem nome: manipulação da opinião pública. E caracteriza abuso de poder de uma grande revista contra um pequeno jornal.
Como leitor e cidadão, até aqui eu já teria motivos de sobra para indignar-me com as más práticas jornalísticas da Veja. Mas, a revista foi além: em suas tortuosas tentativas de tornar crível que o MR-8 representasse algum perigo para Mainardi, acusou esse partido de ‘terrorista no passado’ e de haver, junto com a ALN, promovido ‘seqüestros, roubos a banco e atos de intimidação’.
Omitiu que o MR-8 original foi massacrado pela repressão da ditadura em 1969. Já estava extinto quando a Dissidência Estudantil da Guanabara, ao seqüestrar (juntamente com a ALN) o embaixador dos EUA Charles Elbrick, co-assinou o manifesto como MR-8, apenas para desmoralizar os militares, que haviam alardeado a vitória sobre esse grupo de resistência.
Em seu afã de usar acontecimentos de quase 40 anos atrás como prova de periculosidade atual, a Veja omitiu também que, afora os próprios detentores da sigla, pouquíssimas pessoas na esquerda brasileira consideram o MR-8 atual como legítimo herdeiro daquele que confrontou heroicamente o despotismo.
Mas, o pior de tudo foi a Veja ter exumado um termo – ‘terrorista’ – que, no auge da guerra suja por eles travada contra os combatentes da liberdade, os serviços de guerra psicológica das Forças Armadas resolveram aplicar indevidamente aos resistentes, seguindo a máxima goebbeliana de que uma mentira martelada ao infinito acaba passando por verdade.
Hoje em dia, só a extrema-direita utiliza esse jargão falacioso e aponta como negativos os atos praticados no exercício do direito de resistência à tirania. A Veja, que jamais se referiu aos militares que usurparam o poder e praticaram em larga escala o terrorismo de estado como ‘déspotas’ ou ‘genocidas’, não teve pejo de adotar os conceitos e a terminologia das viúvas da ditadura, igualando-se aos Brilhantes Ustras da vida. Descumpriu o dever jornalístico de isenção e equanimidade, tomando partido… e justamente ao lado daqueles que os historiadores conceituados e o próprio Estado brasileiro reconhecem como os vilãos do período!
Por último, a Veja ignorou o dever de abrir espaço para o ‘outro lado’ na edição de 16/05/2007, publicando apenas oito cartas de leitores favoráveis à sua posição e jogando no cesto todas as contrárias. E sepultou o assunto de vez na edição de 23/05/2007, alheia à indignação dos ex-presos políticos e suas famílias, vítimas da ditadura e cidadãos com espírito de justiça, expressa em dezenas de mensagens encaminhadas à redação.
O patrimônio mais valioso para qualquer publicação é a credibilidade, cuja perda logo desencadeia a debandada de leitores e anunciantes. Temo, Sr. Diretor de Redação, que esse processo já esteja avançado na Veja, após ter passado boa parte de 2005 tentando alavancar o impeachment do presidente Lula e boa parte de 2006 tentando impedir sua reeleição, numa atuação que, independentemente da justeza ou não dos fins perseguidos, atropelou de forma flagrante os princípios jornalísticos.
Se sua revista quer se tornar um veículo partidário como o Hora do Povo, que o faça. Tendo, pelo menos, a decência de informar antes os leitores, para que eles deixem de ser enganados como estão sendo agora, ao procurarem informação isenta nas páginas da Veja.
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Jornalista, escritor e ex-preso político, autor de Náufrago da Utopia