JORNALISMO ECONÔMICO
A cultura da má notícia
‘No dia 17 de julho, saiu uma notícia dizendo que a criação de empregos formais no Brasil, ou seja, com carteira assinada, no primeiro semestre deste ano, foi a maior da história. No dia seguinte, a manchete do jornal que eu assino (dá na mesma qual; não sei se vocês já repararam, mas hoje em dia eles estão muito parecidos, para não dizer iguais) era ‘PF libera apenas trechos de gravação com delegado’. Tinha também um banqueiro corrupto sorridente e os parentes das vítimas de um acidente aéreo. Nada de empregos.
No dia 4 de agosto, anunciou-se que os empregos na construção civil dobraram em um ano, o maior contingente de empregos formais desde 1995. A manchete do meu jornal no dia 5 era: ‘No STF, teles mantêm sigilo de grampos’. Outros destaques do dia na primeira página foram o recuo da bolsa de valores e os ataques terroristas às vésperas dos jogos olímpicos. De novo, nada de empregos.
No dia 5 de agosto, a Fundação Getúlio Vargas divulgou um estudo segundo o qual a classe média no Brasil está crescendo. No mesmo dia, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) dizia que a pobreza no país está diminuindo. O jornal que assino, no entanto, destacava na manchete do dia seguinte o mapa da violência em São Paulo e, mais uma vez, as escutas da Polícia Federal. A boa notícia até que aparecia na primeira página, mas enigmática: ‘Estudo vê ganho de renda mais sólida e classe média maior’.
Eu não consigo entender esta opção sob nenhum aspecto. Por exemplo, o da venda de exemplares em banca, que deveria ser primordial para eles, já que vem despencando a cada ano. Será que um assunto como as futricas envolvendo a PF realmente vende mais jornais do que o aumento de empregos? Será que a violência paulistana interessa mais a potenciais leitores do que a ascensão social num país onde a desigualdade é um problema tão grave? Duvido.
Todos os dias acompanho, no mesmo jornal que assino, uma coluna onde se compilam notícias sobre o Brasil mundo afora, e as boas novas se sucedem. Uma hora é o futuro promissor do país em órgãos respeitados como o jornal New York Times ou a revista The Economist. Noutras, o de empresas nacionais como a Petrobras, que, segundo a Newsweek, será a maior empresa do mundo em cinco anos. Por que estas coisas não ecoam por aqui? Na real, a única opinião que vem de fora que vale, para a mídia, é a do presidente francês Charles de Gaulle de que ‘o Brasil não é um país sério’. Basta surgir algum problema para a lengalenga recomeçar: ‘ah, bem que De Gaulle blá-blá-blá’.
Frase de 1963… Não sei quanto a vocês, mas eu nem era nascida! Vamos combinar, de lá para cá muita água rolou por baixo da ponte. Obviamente, tem milhões de coisas que precisam melhorar no Brasil, mas daí a achar que essa sentença continua ditando regra é outra história. O mundo mudou, o Brasil mudou, De Gaulle até já morreu. Por que então os articulistas seguem se apegando a este vaticínio imutável até os dias de hoje? Por que o usam para ratificar que nosso destino é o fracasso até o final dos séculos, amém? Não é apenas porque se publicarem boas notícias vão parecer estar a favor do governo.
Não, o negócio é mais amplo. Pensei muito e cheguei à seguinte conclusão: os jornais optaram pela cultura da má notícia, das eternas nuvens negras sobre nossas cabeças, porque a mídia e quem ela representa (os tucanos, sobretudo) simplesmente não acreditam que o Brasil possa melhorar. Duvidam que o Brasil possa vir a ter um destino diferente de ‘não ser um país sério’. Que um dia cheguemos ‘lá’. Por isso, apostam na violência, na corrupção, no desemprego e na desgraça em suas manchetes.
Lembrem do Fernando Henrique. Ele nunca acreditou no Brasil. Comportava-se como se fosse ‘o presidente de primeira de um país de terceira’. E, bom, nem uma nem outra coisa provou ser verdade… O restante de seus colegas emplumados pensa igual em relação a São Paulo, que é uma exceção de primeiro mundo num país furreca. Nenhum deles acha que o Brasil presta. Todos se acham acima do país. É um problema grave para um político, não acreditar numa nação que quer governar.
Lula também é vítima da soberba, também ficou metido a besta ao chegar à Presidência. Mas eu estaria sendo injusta se dissesse que ele não acredita no Brasil. Acredita, sim. Tanto que, mesmo ‘se sentindo’, estou segura que o ex-operário não se considera acima do país. Sente-se menor do que ele, sabe que o potencial da nação que dirige é grande, maior que o seu próprio. Isto é bom. Mas tem gente no PT que não aposta no país, assim como em todos os partidos, à imagem e semelhança de nossa mídia.
Não é uma questão de ser ufanista, não. Ser ufanista é babaquice. ‘Este é um país que vai pra frente, uou-uou-uou-uou’, nada disso. Lula às vezes quer transmitir essa idéia, e não é porque vivemos tempos de Olimpíadas que fico tentada a embarcar nela. Para falar a verdade, nem sempre torço pelo Brasil em muita coisa.
Mas quero ter o direito de acreditar que ele pode dar certo. Já visitei vários lugares e sei que o Brasil é especial, um bom lugar para se viver. Um dos melhores países do mundo, de verdade. Dou graças aos céus por ter nascido aqui em vez de, sei lá, no Afeganistão. O Brasil não é um país de terceira, podem acreditar no que digo. Temos estrela, podemos ser protagonistas. Não se deixem levar pelos urubus da mídia a dizer o contrário.
Sei que é considerado o supra-sumo da sofisticação intelectual ser pessimista. Mas deixem-me ser otimista, por favor. Se isso é ser raso, é problema meu. E sabe o que mais? Vai te catar, Charles de Gaulle.’
TELEVISÃO
Rir à força
‘Em um sábado no qual a festa de dia dos pais se antecipava, tive acesso à tevê aberta e sua programação. Os sábados à tarde, eu soube, são de Luciano Huck. É um rapaz que sofre da própria rapacidade. Um dia deixará de ser jovem. Mas alguma coisa em sua conformação física me diz que este horror tardará, e que a juventude o perseguirá feito o caminhão que apertava Dennis Weaver na estrada de Encurralado.
Lembro-me que Huck escrevera uma carta lamentando o roubo de seu rolex numa esquina perigosa de São Paulo. Não retive todo o conteúdo da missiva, perdão. Sei que era chorosa. Me recordo apenas disto: nela, o apresentador visualizava a própria morte. Mais do que a morte, os funerais. Muitas pessoas, além da família, chorariam por ele caso o roubo do relógio resultasse em morte da vítima. Quem agia contra sua pessoa não pensava neste pormenor.
Não entendo muito de Huck, embora tenha trabalhado a seu lado em uma redação do Jornal da Tarde na qual ele produzia uma seção sobre a gente rica paulistana. Equivale a dizer: meninas bonitas. Todo mundo prestava atenção na coluna, ainda que fosse em preto e branco. Seria pelas meninas? Não consigo me lembrar do que se escrevia por lá. Talvez as notas se distinguissem ao contestar o colunato social vigente, ardoroso por pedir emprestado para si a respeitabilidade da política. Mas não posso garantir este ponto.
Quero dizer que nada, nada mesmo, tenho contra o Huck. Ele cumprimentava todo jornalista que via, o que, juro, não é hábito consagrado em uma redação. Um dia, contaram-me que ele declarou a um companheiro escriba que seu sonho era ser Elio Gaspari quando crescesse. Seu interlocutor bem-humorado pediu-lhe ‘menos’.
Jornalistas são o que são, breves. Não vale a pena ser jornalista, Huck deve ter concluído a certa altura de sua vida. O fato é que ele parece muito mais animado agora que é apresentador. Ele se esfola e se diverte em um programa, ou algo que leva o nome disto, por ele comandado na Rede Globo de Televisão.
O problema não é que Luciano Huck se divirta, mas à custa de quem faça isto. Vão me matar, porque as pessoas continuam a adorar Huck como adoravam as meninas de sua coluna nos idos de 1993. As pessoas assistem ao programa dos sábados, riem muito das pegadinhas contra os pobres e não se constrangem. Um espectador de Huck me disse naquela véspera do dia dos pais que algum dinheiro recolhido no programa vai para ongs. As ongs como um princípio de bondade, veja só.
E naquela edição do programa, classificada como olímpica, havia tantas imbecilidades perpetradas por atores contratados que eu talvez sentisse vergonha em receber o dinheiro advindo de tais performances. Uns caras com capacete apostavam corrida numa piscina de plástico. Risos. E os atletas brasileiros que fizeram bonito no passado colocavam-se prestes a cometer deslizes num jogo de grafia. Risos mais.
‘Minha filha é boa aluna, perdoe, filha, se o papai errar tudo’, disse mais ou menos Tande, jogador-símbolo de um bom time de vôlei, durante a transmissão. ‘Minha professorinha dona fulana vai ficar muito chateada com meu erro’, considerou Robson Caetano, incrédulo sorridente numa cabine à prova de som. Hortência abaixava a cabeça e levava os braços para cima, como nunca fizera nas quadras de basquete, ao acabar de soletrar corretamente uma palavra do nível de, digamos, ‘fundamental’.
Que quer dizer isso de vexar em público glórias nacionais como Tande ou Caetano? Um é presumivelmente inculto, outro, de origem negra. Eles são o que o Brasil é. Hortência como exceção não vale, porque, no jogo, só acertou palavras muito fáceis. Caetano corre rápido demais para dizer como se soletra ‘organização’, pula o cê cedilha e faz cara de culpado. Tande diz que atrasado se escreve com z. É de perguntar: e daí? Risos, risos.
Eu me pergunto como podem as pessoas não se sentirem constrangidas diante de um programa como este, que tira proveito da ignorância alheia, como se Huck ou o professor de português ali presentes fossem sumidades aptas a julgar o próximo. Isto sem contar o sujeito de Natal que passou por uma cabine pública, atendeu ao telefone e teve de dizer a um passante que era gay e, além disso, pedir-lhe que informasse essa condição sexual a seu pai, tudo para ser premiado por Huck. Não levou o prêmio de cinco mil reais, que deixaria sua vida ajeitadinha, porque denunciou no ouvido do passante que era Huck quem o constrangia.
Que importa que todo o dinheiro recolhido com estas tolices supostamente vá para alguma ong? Huck ganhará muito mais. Huck não faz favores. A troca que promove com o público é injusta. Ele se beneficiará da humilhação exponencialmente. Vão dizer que é melhor que faça isto, dar um dinheirinho que não é seu a alguém que sofre, do que nada. Prefiro nada.’
OLIMPÍADAS DE PEQUIM
Gastança e engodo: é o negócio
‘Dois bilhões de dólares foram investidos na chamada Operação Pequim, a maior cobertura das Olimpíadas de todos os tempos, a envolver cinco canais da Globo e dois da ESPN, americana. É provável que a maior contribuição em dinheiro se deva à organização dos EUA, nem por isso a Vênus Platinada terá deixado de escancarar as burras. Observe-se, por exemplo, que a Globo enviou à China 270 profissionais.
Não cabem dúvidas sobre a competência da cobertura da ESPN, ampla e capilar, para beneficiar o mundo com informações ao vivo a respeito do desempenho de todas as delegações, panorama completo e imediato. Mas não é o que a Globo oferece aos telespectadores nos seus cinco canais e mesmo nos americanos, entregues à locução dos nossos jornalistas. Ali o cidadão brasileiro, interessado em esportes ou não (nesta hora a torcida é de todos), só tem acesso praticamente às atuações dos atletas que defendem as cores do pendão nativo em número igual ao dos profissionais do plim-plim e do Brazil-zil-zil.
Quem pretende uma visão por inteiro das Olimpíadas está perdido. Só se fala dos canarinhos, por ora colocados abaixo do trigésimo lugar, e louvam-se medalhas de bronze com a euforia das vitórias retumbantes. Não se exclua a possibilidade de que a maioria caia festivamente em mais um conto-do-vigário. Talvez a colocação do Brasil melhore. Desde já, porém, vale inserir a Operação Pequim na série inesgotável destinada a manipular consciências e favorecer a ignorância.
A aposta da Globo, baseada em desperdício espantoso de dinheiro e esforço profissional, tanto mais grave no país do Bolsa Família, visa, como de hábito, levar literalmente na conversa o distinto público. É encenação de rara habilidade em proveito do negócio, e ao mesmo tempo ignóbil.’
Fabio Kadow
Uma boa largada
‘Algumas empresas anunciaram que não mais patrocinarão as Olimpíadas depois de 2008, como Kodak, Lenovo, Manulife e Johnson & Johnson. Ainda assim, a previsão para Pequim é excelente, com expectativa de ganhos recordes na área do marketing esportivo.
Os números da audiência televisiva mundial da cerimônia de abertura dos Jogos é um sinal de que o evento promete lucros. De acordo com dados preliminares, mais de 1 bilhão de telespectadores acompanharam o evento. O mercado publicitário chinês está a todo vapor, com previsão de 400 milhões de dólares de investimentos somente em duas semanas de competições.
Nos Estados Unidos, o público superou o recorde de 34 milhões de cidadãos e ultrapassou a disputa do Super Bowl, a famosa final do campeonato de futebol americano. A rede NBC divulgou também que seu site olímpico teve 70 milhões de acessos na sexta-feira 8.
Uma característica da cobertura destes Jogos são os investimentos e a criação de novos canais na internet. De olho nesse novo mercado, tanto o Comitê Olímpico Internacional quanto o Comitê Olímpico Brasileiro estão com canais exclusivos no portal de vídeos YouTube. Pequim entra para a história como a primeira Olimpíada com transmissão digital em todo o mundo.
110 anos
Esse foi o período que o clube espanhol Athletic de Bilbao conseguiu sobreviver sem patrocínio no uniforme. Agora, a empresa petrolífera Petronor pagará 24 milhões de euros por temporada para estampar a marca num dos times mais tradicionais da Europa. Nunca um jogador estrangeiro fez parte da equipe.
patrocínio
VALE A PENA?
Para tornar-se um parceiro oficial das Olimpíadas, estima-se que as atuais doze empresas patrocinadoras investiram, em média, cerca de 70 milhões de dólares cada uma. Antonio Perez, executivo-chefe da Kodak, disse que essa ‘não é a melhor maneira de gastar o nosso dinheiro’. Em contrapartida, a GE comemora os 700 milhões de dólares obtidos com o aumento das vendas de seus produtos no mercado chinês, no acumulado do ano até agosto.’
ITÁLIA
Berlusconismo ou fascismo?
‘A revista Newsweek, outrora considerada progressista, afirma que nos primeiros cem dias de governo Silvio Berlusconi saiu-se bem. O semanário católico italiano, Famiglia Cristiana, de larga influência, divulga um relatório da revista francesa Esprit, e diz em editorial ‘esperamos que não volte um fascismo de roupa nova’.
Que fez Berlusconi em cem dias? Segundo a Newsweek, tirou o lixo das ruas de Nápoles, botou o Exército a patrulhar as cidades juntamente com os carabinieri, mandou recolher as impressões digitais das crianças rom, combateu os acampamentos nômades, criou novos entraves à entrada de imigrantes no país de grandes imigrações.
Ah, sim, cobriu com piedoso véu o seio da opulenta senhora que Gian Battista Tiepolo pintou no século XVII na célebre tela A Verdade Desvendada pelo Tempo. O quadro domina, indiferente, uma das paredes do Palazzo Chigi, sede da presidência do Conselho. Trata-se, felizmente, de uma cópia.
Tudo isso encanta o semanário nova-iorquino, bem como, supõe-se, as leis aprovadas pelo Parlamento, graças à ditadura da maioria, para acabar com as inúmeras pendengas judiciárias que envolvem o homem mais rico da Itália. Já Famiglia Cristiana rema na rota oposta, e não se deixa seduzir pelo véu estendido sobre o seio da Verdade. Pelo contrário, encara as medidas berlusconianas como demonstração de um risco possível, se não provável.
Talvez as duas revistas extrapolem e exagerem. Diz, porém, Umberto Eco: ‘Não posso dizer que o clima do início dos anos 40 tenha voltado, mas começo a aspirar seu perfume’. E o Prêmio Nobel Dario Fo: ‘Como o fascismo, o berlusconismo é mal insidioso, difícil de estirpar’. E Eugenio Scalfari, tido como o maior jornalista italiano vivo: ‘Não será fascismo, mas é o preocupante começo de uma ditadura’.’
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