FSP
Mino Carta
As implicâncias da Folha de S.Paulo
‘O jornal Folha de S.Paulo prima pelo didatismo, sem que seu empenho contemple fidelidade canina pela verdade factual. Não era essa a característica mais marcante da Folha dirigida por Claudio Abramo, que a tornou importante e para quem o respeito pela verdade factual era o primeiro objetivo do jornalismo.
Claudio assumiu a direção da redação há pouco mais de 30 anos e a deixou a 17 de setembro de 1977, em conseqüência das pressões do general Hugo Abreu, cabo eleitoral do general Silvio Frota, ministro do Exército e candidato dos falcões da ditadura à Presidência da República. Mas, sem considerar as opções políticas dos patrões, a diferença entre a Folha de Claudio e a de hoje talvez resida naquela no propósito de nivelar por cima, e nesta no de nivelar por baixo.
Na semana passada, tive a rara oportunidade de entrevistar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O meu velho e caríssimo amigo Lula. Faço questão de sublinhar que não houve pauta prévia e que o entrevistado freqüenta dados e números da situação e do seu desempenho com absoluto desembaraço. Conhece-os de cor e salteado.
Lá pelas tantas, disparou contra a oposição, denunciou-lhe o golpismo. Como de hábito, CartaCapital chegou às bancas paulistanas na hora do almoço de sexta-feira 9. Agências de informação transmitiram um resumo da entrevista, o eco alcançou Montevidéu, onde se realizava a reunião dos presidentes do Mercosul, e os enviados dos jornais brasileiros pediram a Lula que esclarecesse seu pensamento. Foi a manchete do sábado.
Não me causa surpresa, e muito menos mossa, que nas primeiras páginas não se citasse CartaCapital para explicar as razões da súbita curiosidade. Nem se fale da possibilidade de citar o autor da entrevista. Tais são os vezos do jornalismo nativo. Omita-se. Ignore-se. Aquilo que não foi divulgado não aconteceu.
Páginas internas, estas sim, referiram-se à entrevista e à revista, até largamente. E aí, na ribalta, o didatismo da Folha. Página A6, edição de 10 de dezembro, coluneta lateral convida o leitor: Saiba mais. Título: CartaCapital apoiou Lula em editorial de 2002. Conta-se que na última campanha apoiamos o candidato petista e que o presidente compareceu a dois eventos promovidos por esta revista, da qual ele gosta.
Como não se cansa de publicar, a Folha volta a aludir ao fato de que o governo ‘não nos nega anúncios’, como eu próprio escrevi nesta mesma página, ao contrário do governo do grande democrata Fernando Henrique Cardoso.
Enfim o fecho do precioso informe atribuído à redação da Folha: CartaCapital teve tiragem de 35.300 exemplares em setembro. Já aqui a verdade factual entra em órbita. Em setembro, a tiragem média foi de 65.160 exemplares, conforme haverá de se apurar nos relatórios do IVC. Em outubro foi de 68.825, em novembro de 72.975. Previsão para este dezembro: 75.575.
Analisemos, porém, o didatismo. Sobram as dúvidas. Aplicado para desqualificar a entrevista e o entrevistador, ou para insinuar as razões pelas quais Lula falou com a formiga em vez de convocar os elefantes? Sim, há cerca de 30 anos o torneiro mecânico me honra com sua amizade e certa vez, há 25, abri em sua homenagem um Brunello di Montalcino trintão. Creio mesmo, tê-lo presenteado, in illo tempore, com sua primeira gravata, azul-marinho salpicada de bolinhas brancas. Composta, e até solene.
Não são estes, contudo, os motivos do apoio de CartaCapital à sua candidatura. Ocorre que a tínhamos como a melhor, na circunstância. Decisão legítima, bem diferente da hipocrisia de quantos alardeiam isenção, objetividade, eqüidistância, pluralismo etc. etc. Agora, digo eu ao leitor: saiba mais.
Tempos da campanha de 2002, a direção da Folha convida Lula para um almoço nas belas dependências da empresa. Anfitrião, Octavio Frias de Oliveira. O filho, Otavinho, diretor da redação, chega atrasado. E mal toma assento, pergunta ao hóspede algo em torno da sua falta de diploma. Cabe ser primeiro mandatário do Brasil a quem carece de estudo? Não será exagerada, descabida, ousada além da conta, a sua pretensão?
A implicância fermenta, o convidado ergue-se e se retira, com passadas de metalúrgico. Pai Octavio, que conhece as regras de cortesia, segue apressadamente, constrangido, tenta levar o candidato ofendido de volta à mesa. É tarde, Lula está no elevador, e se vai.
A redação da Folha enxerga em Otavinho um colega. Um jornalista. Colhe-me certa perplexidade. De todo modo, para quem comanda redações apinhadas, deve ser difícil digerir uma semanal bem pensada, bem escrita, bem impressa, produzida por 11 profissionais (disse 11) à sombra de uma empresa pequena, porém valente, que não deve coisa alguma a ninguém. CartaCapital, da Editora Confiança.’
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