A imprensa informa que São Paulo terá uma semana de manifestações, até a próxima sexta-feira (25/10), em defesa da gratuidade dos transportes públicos, reivindicação que inaugurou as ondas de protestos que paralisaram as grandes cidades brasileiras a partir de junho.
O dia 25 de outubro marca, desde 2005, a demanda criada durante o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, segundo a qual a mobilidade urbana é um direito fundamental para a consolidação de outras liberdades asseguradas pela redemocratização do país.
Os coordenadores do Movimento Passe Livre consideram que, sem transporte público assegurado, os cidadãos sofrem limitações em seu acesso à saúde, educação, lazer e cultura. Esse é o eixo central das manifestações pacíficas que se avolumaram em junho e refluíram depois em protestos isolados e pontuais marcados pela violência policial, pelas depredações e, finalmente, pelo protagonismo vandalizante dos Black Blocs.
No cenário atual, com a racionalidade expulsa de campo, a semana promete material interessante para os observadores da cena pública.
Em primeiro lugar, os líderes do MPL avisam que não têm como controlar a ação dos predadores, que nos últimos dias estiveram em cena e no meio de nova controvérsia, por conta da invasão do Instituto Royal. Também os defensores dos direitos dos animais alegaram que não tinham como controlar os Black Blocs, que lhes deram cobertura e abriram os portões do instituto, para que eles pudessem demonstrar como o movimento ambientalista, casado com filosofias orientais e resquícios do fenômeno beatnik, gerou filhos híbridos que desafiam as teorias políticas tradicionais.
Essa convergência de vontades fracas que se potencializam com a força física e o destemor dos mascarados marca o ambiente político que a imprensa vai analisar nos próximos dias. Mas, pelo que se leu nos últimos meses, desde que as ruas foram ocupadas por manifestantes de variadas crenças, o leitor não deve esperar muita racionalidade: o Brasil foi tomado de assalto pela lógica do espetáculo.
A sociedade do banal
Curiosamente, no último fim de semana um grupo de pesquisadores de comunicação se reuniu na Faculdade Casper Líbero, em São Paulo, para apresentar aspectos de seus estudos sobre a sociedade do espetáculo. A linha central das análises era baseada na teoria militante do pensador francês Guy-Ernest Debord, criador do Movimento Situacionista, para quem o capitalismo se consolida na espetacularização do cotidiano, que reduz a espetáculo toda ação humana e transforma a vida comum numa sucessão de eventos sem sentido.
Com todas as controvérsias que se pode alimentar a partir dos conceitos elaborados por Debord nos anos 1960, e que sustentam algumas interpretações interessantes sobre movimentos populares, não há como escapar à observação segundo a qual até mesmo as manifestações de rua inauguradas em junho, que foram motivadas por demandas essenciais ao bom funcionamento da democracia, acabam contaminadas pela banalidade do espetáculo.
Senhoras bem vestidas correndo pelas ruas com os cãezinhos resgatados de uma instituição de pesquisa científica podem representar uma declaração explícita de humanismo e amor aos animais. Mas também significam o protagonismo exibicionista que faz parte das expressões externas da vida contemporânea, que funciona como uma tela de televisão.
Sejam quais forem as razões, por mais nobres que sejam os argumentos, o resultado será sempre o espetáculo, e seu produto será a emoção, não a informação reflexiva que transforma as consciências e a sociedade.
Como aqui falamos de imprensa, convém instalar a mídia no meio dessa conversa. Veremos, então, que, ao abordar os eventos sociais como uma espécie de minissérie, um verdadeiro “show da vida”, a imprensa contribui para consolidar esse aspecto do sistema, cujo objetivo é pasteurizar as consciências.
Na segunda-feira (21/10), por exemplo, noticia-se que uma comissão da Câmara dos Deputados vai investigar as denúncias de maus-tratos contra animais. Não importa que representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência tenham vindo a público defender o Instituto Royal, declarando que suas pesquisas são feitas em estrita obediência às normas internacionais de estudos com animais.
Vivemos numa sociedade emocional, sob a lógica do espetáculo. A racionalidade só se manifesta quando chegam os garis para juntar os cacos de vidro.