O Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (19/02), exibido ao vivo pela TV Brasil, discutiu o acompanhamento da imprensa no uso do dinheiro público. O tema ganhou destaque há algumas semanas, quando O Estado de S.Paulo publicou uma reportagem da jornalista Sônia Filgueiras com denúncias de mau uso de cartões corporativos pela então ministra da Igualdade Social, Matilde Ribeiro. A mídia aprofundou as investigações e a ministra deixou a pasta, mas os desdobramentos continuam.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista foi criada e o governo do estado de São Paulo também está apurando os gastos efetuados através deste mecanismo. Participaram do programa ao vivo pelo estúdio da TV Cultura, em São Paulo, Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, e Caio Marini, especialista em administração pública. O jornalista Chico Otávio, do jornal O Globo, participou pelo estúdio do Rio de Janeiro.
No editorial que precede o debate, Alberto Dines comentou a onda de processos que fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus movem contra Elvira Lobato, repórter especial da Folha de S.Paulo, que será discutida no programa da próxima semana. Os seguidores da seita sentiram-se ofendidos por uma matéria da jornalista de novembro do ano passado sobre o império empresarial montado pelo fundador da igreja.
‘Depois de dois anos, a Folha de S. Paulo publicou hoje na capa do seu primeiro caderno um pujante editorial condenando a campanha de intimidação e má-fé promovida pela Igreja Universal do Reino de Deus contra a sua repórter Elvira Lobato, que denunciou as irregularidades em cima das quais está sendo construído o império midiático do bispo Edir Macedo. Intimidação é pior do que censura’, disse Alberto Dines. Sobre o tema do Observatório de ontem, o jornalista avaliou que ‘cartões corporativos de empresas privadas ou órgãos públicos foram criados para agilizar a máquina administrativa. São um avanço, desde que não haja abusos’.
A reportagem exibida em seguida comentou o elogio feito pelo presidente Lula em recente visita à Antártica ao trabalho da imprensa. Para o presidente, é possível consertar erros através do trabalho dos meios de comunicação. Em entrevista gravada, o antropólogo Gilberto Velho analisou a apatia do cidadão diante das denúncias. Para ele, o desânimo é provocado pela sensação de repetição. O antropólogo acredita que hoje no Brasil há uma cultura da transgressão, na qual o desvio de pequenos valores não é considerado desonestidade. ‘É o uso e abuso do dinheiro público’, disse.
A cobrança da imprensa
O ministro da CGU, Jorge Hage, defendeu o uso dos cartões corporativos e ponderou que o total dos gastos com suprimentos de fundos (despesas com cartões somadas aos pagamentos em cheques) do atual governo seriam muito inferiores aos realizados antes de 2002. O ministro fez um apelo para que o debate sobre a transparência seja mais aprofundado e que não sirva para ‘desinformar a população.’
Para Gil Castelo Branco, consultor de Economia da ONG Contas Abertas, o papel da imprensa na vigilância do dinheiro público é ‘extremamente relevante’. O consultor observou que quando não havia tantos recursos tecnológicos disponíveis, era preciso que um bom repórter tivesse uma boa fonte. Já hoje, a fonte pode ser virtual, como um banco de dados, mas o repórter precisa ter espírito investigativo.
Sônia Filgueiras contou que os cartões corporativos passaram a ser um item na lista de checagem constante com a criação da CPI dos Correios, em 2005. A jornalista acredita que as chamadas pautas balanço podem surpreender, como aconteceu com o episódio recente. Filgueiras disse que além de checar os extratos, questionou os assessores da ex-ministra Matilde Ribeiro para esclarecer pontos. Para ela, a CGU permite mais acesso à investigação do setor público e os jornalistas já identificaram a nova fonte. A controladoria seria uma autocrítica do Estado. Os jornalistas poderiam usar balanços de produtividade, relatórios e outros documentos da CGU para aprofundar as investigações.
Cobrir o poder criticamente e com isenção são duas obrigações da imprensa, para a repórter de O Estado de S.Paulo em Brasília. Os jornalistas que atuam no Distrito Federal estariam bem preparados para fazer o leitor refletir melhor sobre suas escolhas, com conhecimento nas áreas de economia e política.
Controle e informação
No debate ao vivo, Claudio Weber Abramo afirmou que ‘sem informação não há controle’. O diretor da Transparência Brasil disse que a iniciativa do governo federal de disponibilizar parte dos seus gastos, mesmo com deficiências, não encontra paralelo nas outras esferas da administração pública. Caio Marini avaliou que os cartões corporativos permitiram uma prestação de contas mais efetiva e que a crise explicitou a questão da transparência. Na visão de Marini, a imprensa poderia fazer uma melhor cobertura dos atos administrativos e dos resultados do governo.
A figura do repórter seria indispensável, na opinião de Chico Otávio, para cruzar os dados com a vida real. O jornalista alertou que não basta usar um banco de dados, é preciso checar as informações, muitas vezes, in loco. Chico Otávio usou como exemplo a necessidade de averiguar se a razão social de uma loja confere com o perfil do estabelecimento, na prática.
Claudio Weber Abramo avaliou que a mídia não está cobrindo bem o episódio. Para ele, a mídia ‘se deixou levar pelo assunto acreditando que ele seria relevante’, mas os cartões corresponderiam a uma parcela pequena dos gastos totais. A questão principal deveria ter sido a das condições de controle. Os jornalistas ficariam voltados apenas para Brasília, o que seria um erro, já que o país é descentralizado e as contas dos estados e municípios não teriam controle externo. Abramo disse que é difícil obter informações de estados e municípios e que a imprensa precisa exibir os defeitos de gestão e de controle nas praças onde estão sediadas e voltar-se para a política local.
Mais descentralização, menos investigação
Chico Otávio disse que há um despreparo da imprensa para realizar uma investigação constante das contas públicas e que a situação é agravada pela falta de transparência dos estados e municípios. Na área de segurança pública e na administração dos gastos da prefeitura do Rio de Janeiro com a realização do carnaval o acesso a dados concretos – como número de homicídios ou notas fiscais – seria difícil porque não existe uma cultura da transparência. O jornalista acredita que deveria haver um investimento maior na qualificação dos profissionais de imprensa para que pudessem ‘usar da melhor forma possível o mar de informações disponível’.
Existiriam dois caminhos, na opinião de Caio Marini, para tentar resolver a questão do mau uso do dinheiro público. A primeira seria o estado ‘começar a se mostrar’, disponibilizando um maior número de informações. Além de divulgar dados de despesas, deveria mostrar informações relativas a resultados efetivos, que pudessem futuramente orientar políticas. O controle social dos gastos seria o outro fator. Para Marini, a população cobra pouco, tem uma capacidade de indignação pequena.
Outro ponto discutido no Observatório foi a punição de envolvidos em improbidades administrativas. Chico Otávio afirmou que a Justiça não tem tradição em condenar os ‘figurões’, mas que pune os ‘bagrinhos’. O resultado na Justiça de tantas denúncias seria pífio, com processos que nunca chegam ao fim. Para o jornalista, a pressão da sociedade seria decisiva na diminuição dos índices de impunidade. Abramo acrescentou que os réus com maior poder aquisitivo contratam bons advogados e conseguem protelar os julgamentos, por isso a sensação de impunidade. A Justiça brasileira seria anacrônica. Para Marini, é fundamental que em casos de corrupção, os responsáveis sejam punidos por seus atos, mas o economista observou que a Carta Magna permite diferentes interpretações.
Perfil dos participantes:
Cláudio Weber Abramo é diretor-executivo da Transparência Brasil. Mestre em Filosofia da Ciência pela Unicamp, foi editor de Economia da Folha de S.Paulo.
Caio Marini é administrador público formado pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da FGV. É consultor junto nas áreas de reforma do Estado e modernização da gestão pública.
Chico Otávio é repórter especial do jornal O Globo. Professor da PUC-Rio, recebeu três vezes o Prêmios Esso. É autor de reportagens de destaque como o escândalo da LBV, a máfia do INSS, o caso Riocentro e fraudes nas importações.
***
Cartões corporativos e a imprensa
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 449, no ar em 19/02/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Nossas desculpas aos telespectadores da Rede Cultura que continuam sem acesso a este programa. Enquanto persistir esta situação, o Observatório da Imprensa pode ser acessado em tempo real pelo site www.tvbrasil.org.br.
Jornais publicam editoriais na primeira página muito raramente e em situações muito especiais. Depois de dois anos, a Folha de S. Paulo publicou hoje na capa do seu primeiro caderno um pujante editorial condenando a campanha de intimidação e má-fé promovida pela Igreja Universal do Reino de Deus contra a sua repórter Elvira Lobato, que denunciou as irregularidades em cima das quais está sendo construído o império midiático do bispo Edir Macedo. Intimidação é pior do que censura. A chantagem praticada pela mídia tem nome: imprensa marrom. Voltaremos ao assunto.
Cartão de crédito é chamado de dinheiro de plástico, gasta-se sem atentar ao valor do que se gastou. Quando o cartão de crédito é pago por outros, este plástico passar a ser ainda menos valorizado, é dinheiro sem dono.
Cartões corporativos de empresas privadas ou órgãos públicos foram criados para agilizar a máquina administrativa. São um avanço, desde que não haja abusos. Uma repórter do Estado de S. Paulo, Sônia Filgueiras, resolveu investigar as informações disponibilizadas pelo Portal da Transparência e, de repente, descobriu-se a farra dos cartões.
Nesta edição do Observatório da Imprensa você vai conhecer mais uma história que, sem a imprensa, jamais seria conhecida.