O médico e vereador de Maceió George Sanguinetti tem sido duramente criticado por ter aceitado o convite da defesa de Alexandre Nardoni e de Anna Carolina Jatobá para investigar as causas da morte da menina Isabella Nardoni à margem do trabalho dos peritos da polícia paulista.
Contratado pelos advogados do pai e da madrasta da criança assassinada em São Paulo em 29 de março, Sanguinetti minimizou o laudo oficial. Aos jornalistas, disse considerá-lo ‘inservível’, ‘medíocre’, ‘dúbio’, ‘imaginativo’, ‘falho’ e ‘sem valor probatório’.
Sob ameaça de processo judicial por iniciativa da Associação dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo, o médico também tem sido acusado de não ser legista, apesar de ser professor da Universidade Federal de Alagoas.
Nota de esclarecimento
No site da Associação Brasileira de Medicina Legal (ABML), lê-se esta nota de esclarecimento:
‘Recebemos inúmeros e-mails através do site ABML (Associação Brasileira de Medicina Legal) sobre se o dr. George Sanguinetti é associado, médico legista e em qual IML trabalha ou trabalhou, vale ressaltar o que segue:
1 – O dr. Sanguinetti é coronel reformado da Polícia Militar de Alagoas;
2 – Não é e nunca foi médico legista em nenhum estado brasileiro;
3 – Não é associado da ABML;
4 – Não tem título de especialista em Medicina Legal fornecido pela ABML/AMB/CFM;
5 – Foi professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas e diretor do Manicômio Judiciário de Maceió;
6 – Foi diretor nomeado do IML, ficando no cargo aproximadamente 60 dias;
7 – Nunca realizou exame necroscópico ou de lesões corporais em qualquer IML do Brasil.
O dr. Sanguinetti vem se tornando o pretexto de uma discordância cientificamente inexistente.’
Acusações ‘pessoais e insignificantes’
Um de seus críticos persistentes é o jornalista Joaquim de Carvalho, autor do livro Basta! Sensacionalismo e Farsa na Cobertura Jornalística do Assassinato de PC Farias (Editora A Girafa, 2004), ex-repórter da revista Veja que, em 3 de junho, fez a seguinte afirmação em entrevista a este Observatório:
‘Sobre Sanguinetti, naquela ocasião ele não tinha capacitação técnica porque:
1 – Não era legista;
2 – Sua maior experiência era a de diretor do manicômio de Alagoas e, nessa função, tinha até sido investigado no estado por uso de eletrochoque;
3 – Tinha pretensões políticas evidentes, já tinha sido candidato a um cargo eletivo e desempenhou funções políticas (nada relacionado à área de Medicina Legal) no governo de Geraldo Bulhões;
4 – Por sua truculência e sua biografia – tinha prestado serviço a um órgão de repressão no tempo da ditadura –, não era levado a sério por seus pares e no estado onde trabalhava.’
Este articulista buscou ouvir a versão de Sanguinetti. Solicitado, o médico recusou-se a responder diretamente às acusações de Carvalho, disse considerá-las ‘pessoais e insignificantes’.
Aceitou, contudo, dar a entrevista a seguir, realizada por e-mail.
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O que o senhor tem a responder aos jornalistas que dizem que o senhor não tem formação nem qualificação necessárias para exercer o seu trabalho no caso Isabella? O senhor é legista concursado, ou seja, na prática, ou apenas tem formação em medicina legal?
George Sanguinetti – Sou professor de Medicina Legal, aprovado em concurso público para a Universidade Federal de Alagoas desde 1971, ensinando na faculdade de Medicina e na faculdade de Direito. Sou médico legista desde essa época, amparado na legislação que assegurava aos aprovados em concurso público requerer o título de médico-legista, ou seja, especialista em Medicina Legal. Sou inscrito no Conselho Regional de Medicina de Alagoas na especialidade de médico-legista e fui diretor do IML do estado de Alagoas.
Jornalistas de São Paulo se disseram impressionados com o que classificaram de ousadia do senhor de vir de Maceió para questionar, acintosamente, o trabalho de legistas e peritos de um centro de excelência nacional. Até que ponto pode estar havendo ‘bairrismo’ – como chegaram a dizer alguns críticos desses comentaristas – contra o seu trabalho?
G.S. – Questiono o trabalho dos legistas no laudo necroscópico por causa das conclusões equívocas que comprometem a eficácia desse documento médico-legal. Mais importante do que questionarem minha competência é marcar debate em fórum adequado para dirimir dúvidas com a participação de legistas experientes e professores de Medicina Legal.
‘Não entraria no caso por interesse eleitoral’
Como a mídia está cobrindo o seu trabalho? O senhor percebe interesse pela verdade ou é o preconceito que tem ditado a cobertura?
G.S. – A mídia faz o seu trabalho, mostra o contraditório, não emito mérito sobre essa questão.
Quais têm sido, de forma geral, os comentários da mídia e da opinião pública alagoanas sobre as suas investigações no caso Isabella?
G.S. – Controversos, mas para o meu trabalho não têm relevância.
Há quem diga na mídia que o senhor ingressou neste caso por mero interesse eleitoral…
G.S. – Se tivesse interesse eleitoral, teria seguido o conselho de minha assessoria e não teria entrado no caso quando fui convidado. Afinal, caso a finalidade seja eleitoreira, tenho mais a perder do que a ganhar, pois a opinião pública já ‘achou’ e quer ‘punir’ os culpados. Entrei porque vi um documento de suma importância equivocado na sua essência.
Outra crítica é de que a sua intervenção só faria aumentar as dúvidas, o que levaria ao recrudescimento do sensacionalismo, em detrimento do esclarecimento dos fatos…
G.S. – Busco o esclarecimento dos fatos. Até hoje questiono: por que Isabella foi morta? Como pais até então dedicados poderiam naquele momento merecer a imputação? Houve, de fato, uma terceira pessoa na cena? As investigações policiais foram satisfatórias? Até que ponto o clamor social por um rápido esclarecimento desse crime e sua conseqüente punição de culpados interferiu nesse processo (perícia, polícia, Ministério Público e Judiciário)? Respeito muito a imprensa, principalmente a imprensa séria que transmite as informações de forma equilibrada e sem se utilizar de um caso que chocou cada família brasileira apenas por puro sensacionalismo.
No Caso PC Farias, tudo era favorável, a opinião pública não engoliu o crime passional, mas ouvi as mesmas críticas: se sou ou não qualificado, se entendo de Medicina Legal. E nesse caso provei, e hoje corre nos autos, que foi duplo homicídio. Passional foi o inquérito. Agora, no caso Isabella, a minha busca é por dados técnicos de relevância e mérito para que a denúncia do senhor promotor e a decisão do excelentíssimo juiz esteja amparada, de forma inequívoca, por documentos médico-legais baseados em informações técnicas corretas, eficientes e com nexo causal, e não num laudo pericial falho, com vícios, e que pela boa técnica é passível de ser descartado dos autos. Quero o esclarecimento dos fatos, mas baseado em dados técnicos sérios, inequívocos, e não em dados duvidosos e fantasiosos, pois, no Direito brasileiro [escreve em maiúsculas] IN DUBIO PRO REO. Queria lembrar ao senhor que o sensacionalismo quem faz não sou eu. Não tenho esse poder.
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Jornalista