Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

‘CCS é personagem à procura de um autor’

O advogado José Paulo Cavalcanti Filho presidiu o Conselho de Comunicação Social (CCS) desde sua instalação, em junho de 2002. Órgão auxiliar do Congresso Nacional, cuja existência fora prevista na Constituição promulgada em 1988, o CCS demorou 14 anos para finalmente começar a funcionar. O gosto pelo atraso manteve-se pelos anos: a eleição dos novos conselheiros, que deveria se dar em junho de 2004, ocorreu seis meses depois do prazo – em dezembro último, ao final do ano legislativo.

Nos próximos meses, o agora recém-renovado Conselho será instado a se debruçar sobre questões críticas, sobretudo as que dizem respeito à produção e transmissão de conteúdos num ambiente de convergência de mídias e protagonismo de players transnacionais, e os óbvios reflexos desse cenário na indústria midiática, na cultura e na identidade nacionais.

Na entrevista a seguir, Cavalcanti Filho faz um balanço de sua gestão na presidência do Conselho e a assinala os desafios postos na agenda futura do CCS.

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O Conselho de Comunicação Social estava previsto na Constituição de 1988, a lei que o criou é de 30 de dezembro de 1991, e sua instalação deu-se apenas em 5 de junho de 2002. Por que toda essa demora em colocar o CCS em pleno funcionamento?

José Paulo Cavalcanti Filho – Na versão pessimista, apenas um casamento suspeitoso entre pressão das grandes corporações de comunicação e pouca independência de nossas elites políticas. Na versão otimista, um retardo natural, dado ter o Congresso Nacional outras prioridades. Prefiro essa segunda versão. Até por ser mais de acordo com meu temperamento. Como na historinha atribuída ao pai do Fernando Sabino, ‘no fim, tudo acaba bem; e se não acabou bem, é que ainda não chegou no fim’. Acabou bem. É o que importa.

O fato de o CCS não ter poder deliberativo não é um empecilho importante para sua atuação?

J.P.C.F. – O Conselho ainda não tem rosto. É, como no teatro de Luigi Pirandello (1867-1936), um ‘personagem à procura de um autor’. Será o embrião de um órgão regulador das políticas públicas de comunicação, fora do governo; ou será um espaço de debate da sociedade civil. É cedo para saber. O Tribunal de Contas da União, como o Conselho, também é ‘órgão auxiliar do Congresso Nacional’. E ganhou atribuições, ao longo do tempo. Se a variável for a primeira, um órgão executor, será necessário redefinir a legislação para dar-lhes funções próprias. Se for a segunda, nada a alterar. Como dizem os corretores zoológicos, ‘vale o que está escrito’.

Como avalia sua gestão de dois anos em meio na presidência do CCS?

J.P.C.F. – Vê-se melhor a floresta de fora dela. Mas posso dizer, sem chance de erro, que busquei a convergência. Certo ou errado. Mais importante que avançar, é avançar a partir do consenso possível. Nenhum assunto, proposto pelos conselheiros, deixou de ser posto em debate. Ouvimos todos os nomes sugeridos nas reuniões. Todas as pautas propostas pela sociedade civil foram cumpridas. Os debates foram, como tinham mesmo que ser, democráticos. É suficiente.

Nesse período, quais foram os avanços mais importantes no trabalho do Conselho? E qual sua principal frustração?

J.P.C.F. – Penso que o mais significativo foi explicitar o problema da transmissão do conteúdo, no Brasil. Um cenário caótico. Os atores atuam em descoordenação absoluta. O Ministério das Comunicações perdeu a capacidade de formular políticas públicas do setor. A Anatel vai muito além de suas atribuições de órgão apenas regulador – com desalentadora freqüência, indo além da lei. Ministérios da Justiça, da Educação, da Cultura e Secretaria de Comunicação, todos atuam só pontualmente, sem interação entre eles. Hesitamos entre a mediocridade da aceitação passiva desse jogo feito por grandes interesses, crescentemente transnacionais, e uma gestão redentora, sebastianista, decorrência da compreensão de que informação é crescentemente soberania.

Como se deu o processo de escolha dos novos integrantes do CCS, eleitos pelo Congresso Nacional em 22 de dezembro?

J.P.C.F. – Foi uma escolha democrática. A partir da indicação de patrões, sindicatos e sociedade civil. Todos eleitos pelo Congresso Nacional. Devendo-se ter o extraordinário número de sugestões apresentados como indicação de que tivemos sucesso na operação do Conselho. Despertando, depois desses dois anos, interesse de todos os que se relacionam com a informação.

As empresas, os profissionais e a sociedade civil estão bem representados na nova composição?

J.P.C.F. – Estão.

Quais os principais desafios postos à mesa do CCS daqui por diante?

J.P.C.F. – O maior, sem dúvida possível, será o de contribuir para um novo cenário da produção de conteúdo no Brasil. Vivemos um estado de letargia. Não conseguimos avançar no modelo de TV digital – que deve ser compreendido não apenas como uma escolha técnica, mas sobretudo como uma plataforma de comunicação. Com a ambição de ser, não a última geração dos modelos de TV digital em estudo – ATSC, DVB, ISDB – mas a primeira de uma nova. Que use no vídeo, por exemplo, MPEG-4 em vez de MPEG-2. Uma série de problemas estarão resolvidos, a partir de então. Rádios e TVs comunitárias, por exemplo, terão um campo enormemente mais amplo de atuação. Se tivermos sucesso, encontraremos novos modelos de negócios, produzindo emprego e renda no Brasil – dos quais o mais óbvio é o da produção de programas de computadores. Também contribuir para uma nova Lei de Comunicação que corresponda aos interesses do país. Jornais, rádios, TVs abertas e TV a cabo, segundo a lei, devem pertencer obrigatoriamente a brasileiros. TV por satélite, MMDS, SCM, banda C, internet, celulares, (quase) tudo está em mãos de multinacionais. E tudo autorizado por Portarias da Anatel. Isso é ruim para o Brasil. Para além de ‘transmitir’ conteúdo, estão todos se habilitando a ‘produzir’ conteúdo. Falta definir o modelo novo, diferente de que temos, para processar conteúdo. Um modelo que seja fundamentalmente democrático. Que corresponda ao interesse coletivo.

Quer acrescentar algo mais?

J.P.C.F. – Não se pergunta isso a um advogado. Ele sempre gostará de acrescentar algo. Em meu caso, apenas agradecer. Aos companheiros do Conselho. Aos funcionários, todos tão dedicados. Aos meios de comunicação social, que compreendam nossos esforços. Ao presidente do Senado, José Sarney, sempre generoso com o Conselho. Devo o gesto. No começo do ano [2004], enviei-lhe correspondência indicando que não gostaria de continuar no Conselho. Já dei minha quota de sacrifício. Não obstante, explicitei minha confiança no futuro. Vai dar certo. No fim, como vimos, tudo acaba bem. Como diz um auto de Natal pernambucano:

‘Senhores donos da casa

Jesus, José e Maria

O baile aqui não termina

O baile aqui principia

Do mesmo jeito que o sol

Se renova a cada dia.

Da mesma forma que a lua

Quatro vezes se recria

Do mesmo tanto que a estrela

Repassa a rota e nos guia.’

A rota está repassada. O baile aqui não terminou. O jogo continua.



A nova composição do CCS

[Conselheiros do Conselho de Comunicação Social para o mandato 2004-2006, eleitos pelo Congresso Nacional em 22/12/2004]

** Empresas de rádio – Paulo Machado de Carvalho Neto, ex-presidente da Abert (indicação da Abert)

** Empresas de TV – Gilberto Carlos Leifert, presidente do Conar (indicação da Abert)

** Empresas jornalísticas – Paulo Tonet Camargo, diretor de Assuntos Jurídicos ANJ e diretor-geral RBS (indicação da ANJ)

** Engenheiro com notório saber – Fernando Bittencourt, diretor de Engenharia da Rede Globo (indicação da SET – Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações)

** Jornalistas – Daniel Koslowsky Herz, diretor de Relações Internacionais Fenaj (indicação da Fenaj)

** Radialistas – Eurípedes Corrêa Conceição, diretor Fitert (indicação da Fitert – Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão e Televisão)

** Artistas – Berenice Isabel Mendes Bezerra, diretora Aneate (indicação da Aneate – Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões)

** Técnicos em cinema – Geraldo Pereira dos Santos, presidente STIC (indicação da STIC – Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual)

** Sociedade civil – Dom Orani João Tempesta, bispo de São José do Rio Preto e presidente da Comissão Episcopal para a Cultura, Educação e Comunicação Social da CNBB (indicação da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil)

** Sociedade civil – Arnaldo Niskier, secretário das Culturas do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Letras (indicação do senador José Sarney)

** Sociedade civil – Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da Seccional OAB/SP (indicação da OAB-SP – Ordem dos Advogados do Brasil, secção São Paulo)

** Sociedade civil – Roberto Wagner Monteiro, presidente da Abratel e vice-presidente Corporativo da Rede Record (indicação da Abratel – Associação Brasileira de Radiodifusão e Telecomunicações)

** Sociedade civil – João Monteiro de Barros Filho, idealizador da Rede Vida (indicação do Inbrac – Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã)

** Empresas de rádio (suplente) – Emanuel Soares Carneiro, diretor da Abert (indicação da Abert)

** Empresas de TV (suplente) – Antônio de Pádua Teles de Carvalho, diretor da Rede Bandeirantes

** Empresas jornalísticas (suplente) – Sidnei Basile, diretor de Negócios da revista Exame (indicação ANER – Associação Nacional dos Editores de Revistas)

** Engenheiro com notório saber (suplente) – Roberto Dias Lima Franco, presidente da SET e diretor de Tecnologia do SBT (indicação da SET)

** Jornalistas (suplente) – Celso Augusto Schröder, coordenador-geral do FNDC e secretário-geral Fenaj (indicação do FNDC – Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações e Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas)

** Radialistas (suplente) – Márcio Câmara Leal, diretor Fitert e tesoureiro do FNDC (indicação da Fitert)

** Artistas (suplente) – Stepan Nercessian, ator da Rede Globo (indicação da Aneate)

** Técnicos em cinema (suplente) – Antônio Ferreira de Sousa Filho, diretor Sindcine (indicação do Sindcine – Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica)

** Sociedade civil (suplente) – Segisnando Ferreira Alencar, diretor da TV Rádio Clube de Teresina

** Sociedade civil (suplente) – Gabriel Priolli Neto, presidente da ABTU – Associação Brasileira de Televisão Universitária (indicação do FNDC)

** Sociedade civil (suplente) – Felipe Daou, sócio-diretor da Rede Amazônica de Rádio e TV

** Sociedade civil (suplente) – Flávio de Castro Martinez, sócio-diretor da Rede CNT (indicação Abratel)

** Sociedade civil (suplente) – Paulo Marinho, assessor de Nelson Tanure, controlador do Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil e revista Forbes