Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Celebração da pesquisa a quilo

 

“Só conhecemos o que conseguimos medir.” Com esse argumento, o articulista Hélio Schwartsman tenta justificar o ranking da Folha de S.Paulo sobre as universidades brasileiras divulgado na segunda-feira (3/9). Temos aqui a frase perfeita para uma propaganda de restaurante a quilo, mas não para comparar instituições tão complexas e díspares quanto as universidades, principalmente num país de dimensões continentais e tão desigual.

No item qualidade da pesquisa/inovação, vamos tomar o exemplo hipotético da Universidade Federal do Acre. Se os professores de lá fizerem um trabalho interdisciplinar voltado para a exploração dos seringais, isso pode não trazer consequências nacionais ou internacionais, mas será de grande valia para a população local, no plano da conscientização ambiental e da cultura do povo da floresta. No entanto, a UFAC não vai subir no ranking a menos que faça um tremendo esforço de marketing. Algo como levar celebridades, como o roqueiro Sting ou Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA, para dar palestras em Xapuri.

Certa vez ouvi do professor Protásio Ferreira e Castro, pesquisador nível 1 do CNPq e titular de Engenharia Civil da Universidade Federal Fluminense, uma observação interessante. Ele trabalhava com resistência de materiais, o que pode contribuir para reduzir o custo da construção civil, substituindo, por exemplo, o tijolo por materiais de cada localidade. Com dois pós-doutorados no exterior, enfrentava dificuldade para publicar artigos em revistas acadêmicas internacionais porque integrantes de conselhos científicos de revistas consagradas achavam aquilo muito regional.

O bem e o mal

Em outra ocasião, um pesquisador da UFF da área de biologia criticou o pessoal da Fiocruz por se preocupar muito com doenças tropicais, quando a maior incidência de óbitos é de origem coronariana. Lógica curiosa a dele. Quando eu perguntei, então, como ficariam as pesquisas sobre doença de Chagas, ele não soube responder.

Assim como lembrou o professor de Sociologia Dmitri Cerboncini Fernandes, da Universidade Federal de Juiz de Fora (ver "O método, os alhos e os bugalhos"), a Folha de S.Paulo pode até não haver tido essa intenção, mas um dos maiores riscos desse tipo de ranqueamento – que faz lembrar aquele ranking de cachaças da revista Playboy – é o de servir de parâmetro para a política da educação superior e da pesquisa no Brasil.

Nos idos de 1968, os estudantes foram às ruas para denunciar o acordo MEC-USAID, que diziam subordinar as pesquisas científicas brasileiras aos interesses estadunidenses. Muitos foram presos, outros torturados, alguns foram mortos em passeatas.

Mas concordo com uma afirmação de Hélio Schwartsman: a universidade pública tem verdadeiro horror a qualquer tipo de avaliação. Nós nos consideramos acima do bem e do mal. Mais ou menos como a Folha de S.Paulo.

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[João Batista de Abreu é jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense]