Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Censura a posteriori

Os 9 x 0 aplicados pelo STF nos neocensores comandados por Roberto Carlos deveriam ser –e são– a palavra final que garante a liberdade de expressão no Brasil e a independência das biografias. O placar foi acachapante. Mas, após o julgamento, surgiram declarações, atribuídas ao neocensor, de que ele estaria “satisfeitíssimo” porque o STF havia “ratificado o direito de pessoas citadas em biografias de defender sua privacidade”.

Em qual voto, eu pergunto, algum dos ministros apoiou a tese de que uma pessoa citada teria o direito de pedir indenizações em virtude de pretensa invasão de privacidade? O STF afirmou que quem se sentir atingido por inverdade ou calúnia poderá recorrer à Justiça –aí estão os códigos Civil e Penal–, mas não quem considera uma informação verídica publicada como de natureza íntima. Essa confusão visa desorientar a opinião pública –e abrir um flanco autoritário junto aos juízes de primeira instância.

Quem chamou a atenção no julgamento para a possibilidade desse desvio foi o ministro Celso de Mello, decano do STF. Se um juiz de primeira instância, de posse de seus superpoderes, entender que o STF valida a hipótese de apreensão de uma obra como consequência de uma reclamação, estaremos apenas trocando a censura prévia pela censura a posteriori. O que seria uma afronta ao STF.

Outra manobra dos neocensores se esconde num antigo projeto de lei sobre biografias que ainda tramita no Senado. Depois da decisão do STF, o dito projeto já deveria ter ido para a cesta de lixo, mas uma emenda do senador Ronaldo Caiado para “corrigir a morosidade da Justiça” ameaça dar-lhe uma sobrevida.

A emenda Caiado só parece inócua. Na prática, permitiria a proibição a posteriori de um livro e um processo sem fim pela sua liberação. Os neocensores querem ganhar no tapetão.

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Ruy Castro é jornalista e escritor, colunista da Folha de S.Paulo