Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Censura nunca mais?

Em razão de ser importante e controvertido, o Projeto de Lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo deve ser amplamente debatido pela sociedade brasileira. Os operadores do direito, em razão de seu dever de contribuir com o aperfeiçoamento da técnica legislativa brasileira e estar sempre alertas para defender o patrimônio jurídico nacional, não podem ser furtar a este debate.

O art. 1º, parágrafo 1º do projeto [ver remissão abaixo] prescreve que o Conselho Federal de Jornalismo terá o poder de ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ a atividade do jornalista. O jornalismo é uma profissão que se caracteriza pela produção e divulgação de textos (escritos, falados, visuais ou audiovisuais). É evidente que não há como avaliar a atuação do jornalista sem julgar o texto que ele produziu ou está produzindo para difundir.

Caso seja aprovado este Projeto de Lei duas coisas poderão acontecer. O exercício do poder
conferido ao CFJ pelo art. 1º, parágrafo 1º acarretará a censura prévia ou posterior à divulgação de textos jornalísticos. Afinal, os membros do CFJ poderão definir ‘como’ devem ser produzidos os textos que atendam aos requisitos considerados adequados. Ao definir estes
requisitos textuais o CFJ poderá delimitar ideologicamente a atividade profissional. Não há dúvida de que ao fazer isto o CFJ se transformará num órgão censor, quer condenando algumas matérias previamente quer julgando-as inadequadas posteriormente. Nesse sentido, o Projeto de Lei contraria expressamente o disposto no art. 5º, incisos IV, VIII, IX e XIV, da CF/88.

Os incisos III, IV, V e XIII, do art. 2º do Projeto conferem ao CFJ poderes excepcionais, que também podem ser utilizados para ‘domesticar’ alguns jornalistas e punir aqueles que forem considerados dissidentes. Neste particular o projeto confere ao CFJ privilégios legislativos e judiciários. A CF/88 garante a todo cidadão, sem distinção de raça, sexo e profissão, o direito de recorrer ao Poder Judiciário e de não ser submetido a um Tribunal de Exceção (art. 5º, XXXV e XXXVII).

Mas o projeto não contraria somente o texto constitucional. Contraria também os princípios informativos mais básicos da CF/88, que foram enunciados no seu art. 1º, inciso V. Se o projeto for aprovado o CFJ terá poderes para restringir a liberdade de criação dos jornalistas e obliterar a democracia profissional em prejuízo do pluralismo político.

O inciso V, do art. 6º do projeto merece especial atenção. Ao obrigar o jornalista a cumprir decisão emanada dos CRJ e do CFJ, sob pena de punição, antes mesmo que a legalidade da decisão seja apreciada pelo Poder Judiciário, o projeto restringe inconstitucionalmente o direito de ação (art. 5º, XXXV, da CF/88).

E mais, referido inciso V, do art. 6º do projeto possibilita aos futuros ‘donos’ do CFJ e dos CRJ punir discricionariamente seus desafetos. Para fazê-lo, bastaria notificá-los para cumprir uma decisão de duvidosa legalidade. Fazendo isto, as supremas autoridades do jornalismo brasileiro exporiam seu colega de profissão a um dilema, algo como deixá-lo entre a cruz (punição pelo órgão de classe) e a espada (punição pelo empregador ou pelo Poder Judiciário).

Em razão dos argumentos acima delineados, não há dúvidas de que o projeto de lei que cria o Conselho Federal de Jornalismo é inconstitucional e deve ser sumariamente rejeitado pela sociedade. Caso seja aprovado, este diploma legal representará um retrocesso, possibilitará o policiamento ideológico dos profissionais, instituirá a censura e, o que é pior, colocará nas mãos dos futuros ‘donos’ do CFJ e CRJ poderes excepcionais. Poderes que chegam a ser tirânicos porque se forem empregados por cidadãos mal intencionados, podem ser utilizados para legitimar arbítrios governamentais e ajudar a reformar a CF/88 sem qualquer tipo de oposição por parte dos jornalistas, que seriam silenciados sob o tacape de um órgão de classe autoritário.

Por fim, o projeto de lei pode acabar possibilitando uma verdadeira restrição à divulgação de textos na internet, bem como restrição à livre iniciativa empresarial. A questão pode ser formulada da seguinte maneira:

O inciso XV, do art. 2º prescreve que o CFJ poderá tornar obrigatória a indicação de jornalista em matéria de conteúdo jornalístico publicada em qualquer meio de comunicação. Como o conceito de ‘publicação de conteúdo jornalístico’ é extremamente vago, segue-se que o dispositivo em questão tende a engessar a internet, na medida em que todo e qualquer website que veicule textos pode ser considerado jornalístico e, portanto, sujeito à indicação de jornalista, sob pena de ser retirado da rede a pedido do CFJ.

Entretanto, a CF/88 prescreve que a difusão de idéias não é uma prerrogativa de jornalistas (art. 5º, IV). Além disto, como qualquer texto que veicule informações sobre produtos e serviços pode ser considerado jornalístico, referido dispositivo implica restrição à livre iniciativa empresarial tal como preconizada no art. 170, também da CF/88.

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Advogado