O melhor do projeto do Conselho Federal de Jornalismo foi a discussão que provocou – a mais intensa, a mais ampla e a mais rica dos últimos 50 anos. Seus desdobramentos foram tão espontâneos e livres que chegaram à legitimidade da própria Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) em assumir-se como patrocinadora da nova entidade.
Mesmo bombardeado por jornalistas, juristas, parlamentares, acadêmicos, empresários e organizações da sociedade civil, o projeto serviu como catalisador de uma salutar controvérsia que, embora tardia (deveria ter ocorrido durante os trabalhos da Constituinte), já não pode ser disfarçada nem adiada.
A imprensa e a sociedade brasileira não precisavam nem pediram a criação do CFJ, mas o acolhimento do projeto pelo governo e o seu encaminhamento ao Congresso produziu uma centelha que não pode ser desperdiçada.
Desarmar este impulso, como pretende a Mesa da Câmara dos Deputados, significa castigar a sociedade retirando-lhe o direito de participar ou, pelo menos, conhecer questões fundamentais relacionadas com o exercício do jornalismo e o funcionamento de uma imprensa diversificada, livre de constrangimentos políticos, econômicos e corporativos.
Pior do que o arquivamento do projeto original é a manobra para sepultar o substitutivo que a Fenaj foi obrigada a produzir diante da enorme pressão que sobre ela se armou.
Ao admitir publicamente que estava errada, inclusive em premissas básicas como o nome, concepção, estrutura e função do novo órgão, a Fenaj indicou uma disposição que o Legislativo – na condição de grande fórum nacional – não pode ignorar. Se a Fenaj tem algo a acrescentar, nada justifica a afobação para abreviar a inusitada e utilíssima temporada de transparência dos últimos quatro meses.
Compostura perdida
Prova da imperiosa necessidade de manter aceso o debate em torno da imprensa e do jornalismo é a própria figura do relator indicado para examinar o projeto que cria o CFJ – agora apensado a outro, anterior, que cria a Ordem dos Jornalistas do Brasil. O deputado Nelson Proença (PPS-RS) é um dos campeões de desregulamentação da mídia. Para ele, a FCC americana é coisa de comunistas.
O mais grave, porém, é que o premiado com a relatoria é também o feliz proprietário de uma rede de rádios no interior do Rio Grande do Sul. A duplicidade configura um gritante conflito de interesses e uma evidente inconstitucionalidade. É líquido e certo: o concessionário de um serviço público não pode ser ungido para um mandato popular ou vice-versa. O legislador não pode acumular funções, ser fiscal e fiscalizado.
Nelson Proença não é exceção, é a regra. Grande parte dos plenários da Câmara e do Senado é constituída por parlamentares-concessionários de emissoras de rádio e de TV. Alguns fingem um afastamento protocolar ou licenciamento, a maioria nem se dá ao trabalho de manter as aparências e o decoro. Se o presidente do Senado, José Sarney, é um potentado da mídia eletrônica regional, por que razão seus colegas do baixo clero não podem gozar dos mesmíssimos privilégios?
Esta aberração não será coibida com a criação do CNJ. Porém, mantida a discussão suscitada pelo desastrado projeto, será possível alcançar questões de grande magnitude que desfiguram a democracia e prejudicam diretamente nossa sociedade em matéria de informação, cultura e entretenimento. Quando o legislador deixar de ser concessionário de rádio e TV estará em condições para encarar a concentração da mídia – mãe de todos os problemas.
É óbvio que ao Executivo não interessa criar mais atritos na sua base parlamentar. Escaldado no primeiro round, o governo certamente não vai querer repetir a dose. Melhor assim. Este é um assunto que interessa principalmente à sociedade: se o Legislativo perdeu a compostura, pode-se recorrer ao Judiciário.