Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Chávez e a luta pela liberdade de imprensa

A decisão do presidente Hugo Chávez de não renovar a concessão pública à RCTV na Venezuela despertou um súbito interesse pela ‘liberdade de imprensa’ e renovada crença no ‘respeito à opinião pública’ na América Latina. Não apresentarei aqui as razões que justificam a decisão do governo bolivariano, pois elas estão disponíveis em um documento de fácil acesso intitulado El libro blanco de RCTV. Contudo, não podemos ignorar a quantidade e o teor das críticas que nos demais países latino-americanos – e especialmente no Brasil – surgiram diante da medida presidencial.


A decisão do presidente Chávez decorre do papel protagônico que RCTV jogou no golpe de abril de 2002, quando uma aliança entre a embaixada de Washington, o empresariado local, a burocracia sindical, a alta cúpula da igreja católica e os meios de comunicação o destituíram do poder por algumas horas. Resultado da ação decidida das classes populares, o golpe fracassou e o presidente foi reinstalado no Palácio Miraflores, mas o custo econômico e em vidas foi altíssimo. Nos marcos da legislação vigente, o presidente Hugo Chávez decidiu outro destino para um dos monopólios na área de comunicação: provavelmente será administrada por um conselho de organizações populares, sindicais e ONGs que permitirão uma real democratização dos meios de comunicação no país.


Na oportunidade, ficou provado o ‘apreço pela democracia’ por parte dos proprietários da RCTV que, ato seguido, manteve o cerco midiático à Revolução Democrática Bolivariana. A emissora pretendeu transformar-se em um verdadeiro partido político, uma vez que as antigas agremiações – Ação Democrática e Copei – foram varridas pelo voto cidadão na primeira eleição do presidente atual. Esta tentativa de tomar o lugar do partido político é, como sabemos, incompatível com o mito liberal de ‘bem informar’, ou de fazê-lo com ‘isenção’. Não é necessário ser bolivariano para saber que quem toma partido não informa com isenção, basta exibir um pouco de honestidade intelectual.


A censura voluntária


Os adversários da medida no Brasil não estão obviamente preocupados com a ‘liberdade de imprensa’ e há boas razoes para supor, inclusive, que temem uma opinião pública bem informada. Neste mês de maio ocorre outra batalha decisiva pela liberdade de imprensa, mas curiosamente os disciplinados defensores da liberdade de imprensa ignoram completamente o fato: refiro-me à Lei de Rádio e Televisão, sob análise da Corte Suprema de Justiça no México. [Sobre o assunto, ver, neste Observatório, ‘A crônica do monopólio anunciado‘, ‘Suprema Corte pode brecar poder do monopólio‘, ‘O perigo do plim-plim‘, ‘Nova lei de rádio e TV favorece monopólio‘.]


Neste caso, entre tantas aberrações, o parlamento aprovou alterações substanciais que permitiram concessões pelo tempo de 20 anos aos atuais proprietários de TV, impedem ‘os povos e comunidades indígenas de administrar, adquirir, operar ou administrar estações de rádio ou televisão’ e facilitam aquisições de novos canais e bandas digitais por parte dos dois grandes monopólios por via administrativa, ou seja, evitando o leilão público, onde pode aparecer a indesejável concorrência.


O silêncio sobre a batalha pela liberdade no México é constrangedor – ainda que fortaleça ainda mais o monopólio composto por Televisa e TV Asteca –, enquanto o espaço para a crítica acerca da ‘ameaça venezuelana’ corre o mundo, mesmo que coloque um poderoso meio de comunicação sob controle da sociedade civil. Como ensinou George Orwell no distante ano de 1947, a censura voluntária é o pior que pode passar aos escritores e jornalistas independentes. E não há nada que proíba a pesquisa e a comparação entre os dois casos.

******

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina e presidente do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC