Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Cobertura triunfalista ou comunitária? Ambas

A mídia deve ser questionada? Sim. Deve ser criticada? Sim. Quando? Sempre. Mas nem sempre as críticas à mídia e os críticos da mídia estão livres de preconceitos, lugares-comuns, distorções. Ou simples mau humor.


Na operação policial-militar em curso no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, chamam a atenção dois textos sobre o desempenho dos meios de comunicação que vale a pena examinar como prova da imperiosa necessidade de manter ligado, de ponta a ponta, o processo crítico.


O desabafo de Luiz Eduardo Soares, postado em seu blog na quinta-feira (25/11), merece a precedência não apenas porque foi o primeiro a tentar um exame em profundidade da cobertura da liberação da Vila Cruzeiro, mas porque o currículo profissional, a figura e a autoridade moral do autor colocam-no num patamar que poucos têm condição de igualar.


Mas trata-se de um desabafo irritado, visivelmente magoado. Não devem lhe faltar razões, mas ao referir-se ao ‘pastiche midiático’ e usar como gancho a edição do Jornal Nacional daquela noite, Soares generaliza, simplifica, desfoca e passa ao largo do esforço de uma legião de profissionais da imprensa – tanto na linha de frente como na retaguarda – enfiados numa guerra para a qual talvez não estivessem tecnicamente preparados mas que, como cidadãos, mantiveram-se afinados e entrosados com a sociedade à qual devem servir.


Operadores batidos


Para um estudioso do porte de Luiz Eduardo Soares o fim do narcotráfico fluminense era irreversível, porém esta certeza jamais foi insinuada e compartilhada com aqueles que há décadas são humilhados pelo terror no Rio de Janeiro.


Para o consagrado autor da série de livros Elite da Tropa que deram suporte aos filmes Tropa de Elite, as facções criminosas da Vila Cruzeiro, Penha e Complexo do Alemão estavam fadadas ao aniquilamento. Esta convicção, no entanto, não transparecia nos comunicados oficiais nem na atitude das autoridades. Na sua incansável tarefa de abastecer a mídia com informações e reflexões, Soares jamais ofereceu a mesma convicção.


Jornalistas têm o direito de participar. E mesmo comemorar. Sobretudo quando oferecem evidências e atendem a um sentimento unânime do seu público. Seria hipócrita e insano abdicar de um tom esperançoso ou mesmo triunfalista nesta inédita façanha já que nessas três décadas foram raras as ocasiões para vislumbrar derrotas do imbatível narcoterrorismo.


Mas Soares tem razão ao exigir a despolarização do confronto Estado vs. Crime. Há outros beligerantes nesta guerra, talvez ainda mais perigosos do que os bandidos porque atuam protegidos pela lei – as milícias e os esquemas políticos corruptos que as suportam. Mas Soares não pode ignorar uma questão comezinha: a partir do momento em que os operadores do crime parecem batidos e desorientados – como aconteceu nos últimos dias – as milícias e máfias protetoras perdem sua razão de existir. Ou, pelo menos, parte dos argumentos para vender os seus serviços e se legitimarem.


Imprecisões, arrogância


Curiosamente, a expressão ‘pastiche midiático’ empregada por Soares tem a mesma conotação do título de uma coluna da Folha de S. Paulo publicada dois dias depois e assinada por Fernando de Barros e Silva (sábado, 27/11, pág. 2). ‘Tropa da mídia’ é uma infeliz alusão ao suporte conceitual e factual oferecido pelo mesmo Soares aos dois sucessos de bilheteria. Juntando os fatos do dia às suas opiniões como cinéfilo e temperando-os com o indefectível esnobismo dos quatrocentões paulistanos, o colunista sobe ao Olimpo para proclamar:




‘A dramatização meio oficialista e meio ficcional do conflito parece se beneficiar de uma fúria coletiva e sem ressalvas dirigida aos morros como quem diz: sobe, invade, explode, extermina É quase possível ouvir no ar o lamento pela ausência de traficantes metralhados diante das câmeras.’


O inspirado vaticínio foi publicado no sábado e não levou em conta que na véspera e antevéspera os policiais e militares haviam expulsado da Vila Cruzeiro – com um número insignificante de vítimas e o entusiasmo da comunidade – os facínoras que a atormentavam.


Coisas de quem é obrigado a escrever quase todos os dias e ainda cuidar da cobertura política de um jornalão nacional que faz tremer todas as esferas do poder. Mas no dia anterior, sexta-feira, cometeu outra bem intencionada profecia (‘Propaganda de Guerra’):




‘… no dia em que as forças armadas se envolverem no combate ao tráfico serão inevitavelmente contaminadas por ele…’


Exultante com o sucesso do suporte logístico oferecido pelos fuzileiros navais na invasão da Vila Cruzeiro, o ministério da Defesa já havia anunciado que os pára-quedistas dariam apenas apoio ao cerco dos meliantes no Complexo do Alemão, o combate seria feito por policiais. Jornalistas porventura se contaminaram ao cobrir o mensalão?


Nenhuma palavra sobre questões propriamente políticas: foi legítima esta intervenção federal numa unidade da Federação sem os devidos ritos legais? A federalização da luta contra o narcoterrorismo não dá razão ao candidato da oposição nas recentes presidenciais?


Luis Eduardo Soares deu nome aos bois: não gostou da edição do Jornal Nacional de 25/11 e o disse com todas as letras. Mas em ‘Tropa da Mídia’, o colunista trata da mídia como se a Folha não fosse parte dela ou não se deixasse levar pelas mesmas imprecisões, leviandades e arrogância dos seus parceiros de corporação.


Mercado consumidor


Esta Batalha do Rio de Janeiro comprova que na mídia impressa apenas os semanários conseguem ser minimamente nacionais. Os três jornalões padecem da mesma origem paroquial: o Globo é um jornal carioca, popular, com nítida vibração vespertina enquanto a Folha e Estado conservam a mesma afetação dos barões do café e fascinam-se mais com a história dos rapazes de classe média que espancam transeuntes da Avenida Paulista do que com esta vitória do Estado de Direito contra o narcotráfico.


Como se a maior consumidora de cocaína do país não fosse a desvairada Paulicéia.


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Em tempo – Para o ombudsman-reserva da Folha, Nelson de Sá, as redes Globo e Record ‘se engajaram no discurso oficialista’ (Folha de S.Paulo, 29/11). A imprensa de Chicago dos anos 1920-30 saudou ou lamentou o desbaratamento das máfias da cidade? Perguntem ao Francis Ford Coppola – ele está na praça.