Quem encarar a conflituosa relação do mundo islâmico com o Ocidente nos dias que correm vai perder o sono e talvez enxergar a Medusa. A perspectiva é que os embates cresçam, pois se trata de um fosso cultural acumulado ao longo de séculos de experiências sociais distintas, não estando, portanto apenas à superfície. Do altar cristão enquanto definidor das instituições políticas e sociais tomamos distância com o Iluminismo no século 18, o secular segurou as rédeas da sociedade.
Aos olhos dos ocidentais há muito de caricaturesco no modo de vida dos países islâmicos. Saias e turbantes para homens, trajes negros da cabeça aos pés e vendas escuras no rosto das mulheres saltam à vista nas fotos de jornais e na tv. Cenários da Bíblia parecem derramar-se nos canais de TV, Cafarnaum e Canaã como que ressuscitam. A rigor nem seria preciso fatos alarmantes como atentados e guerras para gravar a memória do leitor e do telespectador, o inusitado do guarda-roupa já se encarrega de fixar imagens fortes.
Sendo verossímil que o barril de petróleo atinja 100 dólares antes do fim da década e estando em terras de árabes e iranianos quase 90% das reservas mundiais, o poder de pressão destes povos será ainda maior.
Os regimes muçulmanos têm conseguindo tornar questão de honra de nação as caricaturas que mexem com seus valores profundos e mitos. Ainda na semana passada morreram baleados manifestantes que na Líbia protestavam contra a grosseria de um político italiano que se pôs diante das câmeras em Roma para exibir a camiseta decorada com as charges dinamarquesas. Naquele dia apagaram-se todos os conflitos na Líbia, um só aflora: o inimigo externo. Nós brasileiros até sofremos desta mesma quimérica irmandade, mas ela graças a Deus não dura mais do que a solidariedade de um par de semanas durante a Copa do Mundo.
Forças da contestação
No Oriente Médio duas providências urgem:
1)
respeito ao contexto histórico. Especificamente, algo no comportamento de Israel ao longo da história explicaria o fanatismo do Hamas? A imprensa de boa vontade nos EUA deveria investigar a questão.2)
escapar dos estereótipos e ter perseverança para deixar aflorarem as contradições internas daqueles povos. Falta de transparência nos processos de escolha de dirigentes em vários países da região, direitos da mulher, liberdade de imprensa etc., é nesses quesitos que os governos ali precisam ser avaliados. A imprensa tem nessa empreitada muito a contribuir. Começando por ir abaixo da epiderme, fugir ao tratamento pelo espetaculoso das notícias, pôr de lado trajes e cacoetes para tratar de conteúdo.Deixemos por exemplo que ajam no interior dos regimes que vêm se abrigando no guarda-chuva chauvinista forças do tipo dessa noticiada pela correspondente em Berlim (Graça Magalhães, O Globo. 18/2/06). No Festival de Berlim, os filmes que representam o Irã afetam contestação, mas fazem o jogo do regime. A denúncia é do renomado diretor iraniano Kia Korastami, exilado na Alemanha.
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Diretor de ONG