A mídia tem parte da responsabilidade pela absolvição do senador Renan Calheiros. Nas últimas semanas, a mídia amplificou demasiadamente os erros do senador em suas manchetes. Transformou a cobertura numa execração pública que mais parecia um linchamento prévio. Transformou um fato localizado (politicamente relevante, claro) no acontecimento mais importante das relações políticas neste país quando, obviamente, o episódio não tem a dimensão social que a mídia a ele atribuiu. Pior, abandonou assuntos importantes para abrir espaços para o julgamento público de Renan.
Essa execração pública do senador Renan Calheiros pela mídia, essa excessiva ênfase das manchetes nas eventuais culpas dele, foi percebida por muitos senadores como uma ingerência da mídia nas decisões do Senado. Alguns senadores já tinham antecipado como percebiam os excessos na divulgação do episódio Renan. Em discurso no plenário, o senador Marcelo Crivela afirmava que o Senado não podia aceitar ingerências em suas decisões. Na sessão do Senado que julgou Renan Calheiros, o senador Sibá Machado foi explícito na condenação da cobertura jornalística, considerando-a uma pressão desmesurada sobre o voto dos senadores. Certo ou errado, um espírito de corpo defensivo foi se cristalizando, proporcional aos excessos da cobertura.
Bola de neve midiática
Todo esse açodamento prévio da mídia parece ter despertado nos senadores um sentimento de aversão pelos excessos da cobertura jornalística. Parece ter criado um espírito de corpo que levou a uma espécie de ‘resistência’ contra o que foi interpretado como pressão da mídia sobre os senadores. Ainda está muito acesa na memória política deste país a declaração recente do ministro Lewandowski de que os ministros do STf votaram com ‘a faca no pescoço’ no julgamento dos acusados do mensalão.
Os erros da mídia contra os deputados Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro transformaram-se em exemplos emblemáticos para os políticos. Ibsen Pinheiro disse recentemente que os editores dos jornais deveriam ser eleitos pela população, tal a importância que eles jogam hoje na política nacional. Políticos de todos os partidos têm feito declarações públicas contra a pressão exercida pela mídia. Muitos senadores parecem ter votado contra a cassação de Renan como uma manifestação de revolta e independência.
Há semanas, a mídia não fala de outro assunto. Os possíveis erros do senador Renan Calheiros foram acumulando manchetes diárias nos jornais, revistas semanais e telejornais do país. A mídia parece abastecer-se nela mesma: quando um jornal ou revista traz uma denúncia e insiste no episódio, os outros veículos abandonam os demais assuntos, ainda que sejam mais relevantes para o país, e todos se dedicam quase exclusivamente ao mesmo fato, como se só aquela denúncia importasse na política nacional. Independentemente da culpa ou inocência dos envolvidos, o assunto cresce como uma bola de neve midiática, abastecendo-se nele mesmo e assumindo para os jornalistas uma dimensão desproporcional.
Círculo vicioso de mediocridade
Independendo da culpa ou inocência do senador Renan Calheiros, o episódio remete a uma reflexão sobre a qualidade da cobertura política nos jornais e telejornais brasileiros. Os jornalistas precisam repensar sobre qual cobertura política preferem. A amplificação artificial de alguns episódios é resultado do frenesi de denuncismo que assola a mídia. A cobertura política está demasiado limitada aos bastidores do Congresso Nacional.
Há um fascínio desmesurado pelo escândalo político, pelas baixarias, pelo inusitado. Os jornalistas se iludem pensando que o seu papel de cão de guarda da sociedade é só espiar o bastidor, revelar as baixarias, cobrir a política pelo buraco da fechadura. A mídia termina perdendo a dimensão dos fatos. Os escândalos e os porões da política recebem uma publicidade desproporcional.
Os escândalos, independente de sua eventual relevância política, sensibilizam setores voyeuristas da população, também ávidos de olhar a política pelo buraco da fechadura. Especialmente num país onde a informação e a cultura política são restritas. Não é a toa que os reality shows têm hoje tanta audiência.
O mundinho privado da política acaba assumindo uma relevância maior que as grandes questões político-ideológicas nacionais ou que as políticas públicas. Os temas privados estão ganhando na mídia uma visibilidade pública que acaba sendo prejudicial à política em sua dimensão republicana. Infelizmente, o escândalo e as histórias picantes vendem jornais e atraem a atenção de parte da população, viciada nas novelas das oito. Entramos, então, num círculo vicioso de mediocridade política. Parte da culpa é da imprensa.
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Jornalista, professor de jornalismo da Universidade de Brasília e coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB