Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Como esconder notícias ruins ou transformá-las em boas

‘A imprensa só publica notícia ruim’, declarou em improviso o presidente Lula na terça-feira (5/12), em cerimônia oficial no Palácio do Planalto. E acrescentou maliciosamente que notícia ruim deve ser um bom negócio, já que é veiculada com tanta freqüência (título principal da pág. A-10 da Folha de S.Paulo de quarta, 6/12). Naquele mesmo dia o ‘apagão aéreo’ viveu o seu momento culminante.


Como já foi dito neste Observatório, devemos louvar a Divina Providência por não ter permitido que Lula da Silva estivesse incumbido naquele dia de algum trabalho jornalístico. Caso contrário, no seu jornal/rádio/TV a notícia do caos nos aeroportos jamais teria sido publicada. Mesmo que testemunhada e vivenciada por milhares de brasileiros nos principais aeroportos do país.


Lula não precisa ser jornalista, há jornalistas dispostos a eliminar as notícias ruins dos respectivos veículos sem qualquer cerimônia. Ou simplesmente transformá-las em notícias favoráveis.


Exatamente isso aconteceu com a matéria de capa da última CartaCapital (13/12, págs. 26-31): o bravo semanário seguiu o ‘Manual Lula de Jornalismo’ e conseguiu o milagre de converter a débâcle no tráfego aéreo brasileiro motivada pela tragédia do Boeing da Gol em mera ‘turbulência política’ atiçada pela ‘nostalgia golpista’ de setores civis e militares.


Segundo a revista, o apagão aéreo não existe (foi invenção da oposição logo encampada pela mídia), assim também a operação-padrão iniciada pela minoria de civis que trabalha como controladores de vôo.


A idéia central da reportagem é comprovar que a ‘proposta de desmilitarização da aviação civil acirra os conflitos entre o Ministério da Defesa e a Aeronáutica’. Mas o que tem sido divulgado pelo próprio governo é justamente o contrário: o comando da Aeronáutica aceita o controle civil do trafego aéreo ficando com os militares a defesa do espaço aéreo.


Gabinete de crise


De acordo a mesma matéria, o desempenho do ministro Waldir Pires à frente do Ministério da Defesa, tem sido impecável. Inclusive na condução da crise da Varig e a sua solução através das forças do mercado, apesar dos ‘traumas para milhares de trabalhadores’.


Nenhuma palavra sobre o trauma sofrido pelos trabalhadores que operavam a torre de Brasília na hora da colisão entre o Boeing e o Legacy. Nem sobre a sua responsabilidade no acidente devido às precárias condições de trabalho.


Antes mesmo da decisão judicial que permitiu a devolução dos passaportes dos pilotos do Legacy, a revista é taxativa ao constar que o desastre resultou da ‘convergência da má sorte com a irresponsabilidade dos dois pilotos americanos’.


A decisão de entregar à ministra Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, a organização de um ‘gabinete de crise’ para monitorar a situação no setor aéreo foi transformada numa boa notícia para o ministro da Defesa: segundo a revista, ele deverá coordenar os trabalhos. O noticiário emanado do governo afirma o contrário: a ministra Dilma Rousseff será a gerenciadora do grupo.


Não aprovaria


Waldir Pires merece o respeito dos brasileiros pela sua biografia política (que ocupa grande parte da reportagem), mas esta dívida não pode ser paga através da manipulação de informações em assunto de tamanha gravidade.


Em matéria de pagamento, aliás, a CartaCapital não pode se queixar: nesta edição, do total de 33 páginas pagas ou permutadas (24 de anúncios e nove de um caderno especial), 19 (cerca de 57%) saíram do bolso do contribuinte (as nove do caderno especial pago pelo BNDES e dez por outras empresas públicas, entre elas o Banco do Brasil, Petrobras e Correios).


Esse é um tipo de jornalismo que Lula, o crítico de mídia, certamente não aprovaria. Mesmo sendo o seu beneficiário.