Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Como selecionar notícias e formar a opinião pública

Todo(a)s somos testemunhas de um clima que se instalou no Brasil nos últimos meses, a partir da vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições presidenciais. Difícil compreender essa atmosfera quase que de ódio contra um governo, acossado por todos os lados, vítima de todo tipo de agressões. Como entender tal situação? Arrisco aqui uma reflexão, partindo de um fato experimentado domingo (24/5), entre 14h45 e 15h30. Acho que isso ajuda a entender como se “constrói” um clima de negatividade.

Dava minha caminhada pelo Parque da Redenção, no centro de Porto Alegre, enquanto ouvia a Rádio Liberdade. Gosto de curtir a música campeira, marca registrada dessa emissora. Quem a escuta sabe que após cada música há a leitura duma manchete – e termina assim: “Leia hoje no O Sul” (é um dos jornais do conglomerado a que a emissora pertence). Vejam as manchetes que ouvi, são quase ao pé da letra. Desculpem, mas é o corpus de dados para a análise que arrisco fazer:

>> Esperado reajuste de até 9,5% na gasolina.

>> Ao não comparecer ao anúncio dos cortes no orçamento, o ministro da Fazenda estaria mandando um recado de insatisfação.

>> Ministério Público e Polícia Federal agora investigam os contratos bilionários do pré-sal.

>> Desvio de dinheiro no consulado do Brasil em Nova York pode ter chegado a seis milhões de reais.

>> Para compensar imposto maior que terão de pagar, bancos vão aumentar juros e tarifas.

>> PT diz que ajuste fiscal afasta partido do governo.

>> Ao ser chamado de traidor por opositores de Dilma, Aécio rebate crítica e afirma que não pedir impeachment é estratégia.

>> Sartori embarca para a Europa e Dilma para o México.

Comentando

Fico imaginando como essas mensagens – todas elas de forma afirmativa – vão calando na mente dos ouvintes. Em geral não prestamos atenção aos detalhes, ficamos com o tema geral. Penso: se fosse possível entrevistar uma pessoa que é assim bombardeada, ao menos quatro ou cinco vezes durante toda uma tarde, com a repetição das mesmas falas como essas, com que sentimento ela ficaria?

Não é difícil identificar uma “mensagem básica” perpassando todo esse bombardeio de manchetes, destilado e repetido durante toda tarde. Com exceção da última, sente-se nelas uma conotação negativa contra o governo em geral e contra Dilma, de maneira específica. Com que sensação fica o ouvinte, desprevenido, escutando essa ladainha de maus augúrios, ameaças, complicações, maus prenúncios etc.

Foi então que ouvi, por exemplo, pela primeira vez, um “esperado reajuste da gasolina de 9,5%”. Esperado? E 9,5%? E que o fato de o ministro da Fazenda não ir a uma cerimônia seria sinal de insatisfação. E que agora (depois da Petrobras) vão ser investigados os contratos bilionários do pré-sal. E que a única possível coisa boa que Dilma teria feito – o aumento de 5% nos lucros dos bancos – vai estourar no bolso da população. E que houve roubo também no consulado brasileiro de Nova York. E que Aécio é um homem inteligente, “estratégico”, por isso não apoia o impeachment de Dilma…

Tudo bem que essas notícias sejam dadas, mas o que me espantou foi que foram todas, ou quase todas, claramente negativas e pejorativas. Será que é só isso que está acontecendo? E ainda mais: a maneira como foram dadas.

Analisando: os pressupostos implícitos

Mas há ainda uma coisa bem mais séria que precisa ser dita aqui. A maioria da população tem como pressuposto que as emissoras – a Rádio Liberdade, no caso – do Grupo Pampa podem dizer e fazer o quiserem pois, afinal, elas têm donos, e esses decidem o que dizer. E muitos até achem, talvez, que criticar essa prática das emissoras de rádio e televisão seria “ir contra a liberdade de imprensa”, seria uma censura aos meios de comunicação.

É sobre isso que pediria licença para refletir por um instante. Emissoras de rádio e televisão (não estou falando da mídia impressa, como jornal, revista, livros etc.) são veículos de comunicação eletrônica, e por isso uma concessão pública do Estado. Não têm “donos”. Receberam uma concessão para prestar um serviço à população. E a Constituição de 1988, no artigo 221, quando fala dos princípios que devem reger a comunicação eletrônica, estabelece, como primeiro princípio, que “a comunicação deve ser educativa”. Essa a tarefa dos meios de comunicação eletrônica: educar a população, prestar um serviço para que as pessoas possam pensar, ter as informações fundamentais para formarem sua opinião.

Mas atenção: educar não é dar respostas ou ficar apenas passando informações. Educar é fazer a pergunta, é questionar, problematizar as situações para que o povo possa pensar. Um jornalista, ou um comunicador, um âncora de um meio de comunicação não é e não pode ser um formador de opinião. Arvorar-se em formador de opinião é uma usurpação de uma tarefa que não lhe compete. A tarefa do jornalista, do comentarista, do âncora, é fazer as perguntas, buscar todas as informações necessárias, da maneira mais séria, completa e imparcial possível, para que o ouvinte, o telespectador, forme sua opinião. É o ouvinte e o telespectador que deve ser servido, e tem o direito de ser bem servido. É para isso que existem os meios de comunicação eletrônicos, que são concessão e foram dados, supostamente, para que os que recebem tais meios (gratuitamente!) tenham o compromisso e a capacidade de prestarem tal serviço. Senão, deveriam deixar esse meio a outros que tenham essa competência.

E então?

Mas é isso que vemos na nossa mídia eletrônica? É isso que fazem os comentaristas – dando despudoradamente suas opiniões e até classificando as situações, ou até mesmo as pessoas, com expressões como “isso é uma vergonha!” Com que direito um jornalista faz isso? Onde a vergonha? Você viu, nas “notícias” reproduzidas no início deste texto, alguma pergunta? Como fica o ouvinte diante desse bombardeio indiscriminado de supostos fatos? Resta algum espaço para o ouvinte pensar, refletir?

O que se vê é uma série de notícias = afirmações dadas praticamente como certas, envoltas num viés negativo e crítico ao governo. Falando como se aquilo fosse toda a verdade. Assim se constrói o clima, se forma a opinião pública. Não há maneira de contestar todo esse discurso.

Para ter uma ideia de quão longe estamos de uma verdadeira comunicação, e de qual o papel dos meios de comunicação eletrônica – rádio de televisão –, trago aqui um comentário do grande jurista Fábio Konder Comparato: “A liberdade de expressão, como direito fundamental, não pode ser objeto de propriedade de ninguém, pois ela é um atributo essencial da pessoa humana, um direito comum a todos. Ora, se a liberdade de expressão se exerce atualmente pela mediação necessária dos meios de comunicação de massa, estes últimos não podem, em estrita lógica, ser objeto de propriedade empresarial no interesse privado”.

Com que direito alguém que tem uma concessão fala o que quer, como quer, afirmando suas ideias? E mais: onde fica o espaço do ouvinte? Se ao menos as colocações fossem feitas em forma de pergunta, levando as pessoas a pensar?

Pois é assim que se forma a opinião pública. Quão longe estamos ainda de uma verdadeira comunicação, de um respeito aos ouvintes e telespectadores, do direito de as pessoas poderem ter uma informação séria que as leve a refletir, a discutir seus problemas, formar sua opinião e poder assim construir uma sociedade democrática, participativa, igualitária.

Os leitores são os juízes primeiros e fundamentais dessas reflexões.

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Pedrinho A. Guareschi é professor da UFRGS e autor, dentre outros, de O Direito Humano à Comunicação – Pela Democratização da Mídia (Petrópolis: Vozes, 2013)