Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Comparações esdrúxulas

‘‘Acidente horrendo’ foi a eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara, um erro do governo reconhecido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista coletiva na semana passada pelo qual está pagando caro. Lula, aliás, ganhou um concorrente imbatível no que se refere a improvisos disparatados. E olhe que o presidente costuma dar umas escorregadas terríveis.’ (Kennedy Alencar, Folha Online, 2/5/05)

Seria cômica, se não fosse trágica, a comparação feita por Kennedy Alencar em sua coluna entre o presidente da Câmara e o presidente da República.

Seria cômica porque o colunista, num total desconhecimento da impossibilidade de se fazer comparações entre coisas diferentes, parece ignorar que o presidente Lula não faz comparações machistas em seus discursos, quer de improviso ou não. Espera-se que um colunista saiba diferenciar alhos de bugalhos.

É trágica porque o colunista, como a maioria de seus pares, parece ignorar a diferença entre opinião pessoal, gafes e ação pública/política.

Gostaria de discutir este que se está transformando num mau hábito da mídia: o uso do ‘padrão de fragmentação’ para manipular a informação (Perseu Abramo em Significado político da manipulação na grande imprensa, 1988).

Fragmentando o todo, o colunista usou parte de um fato para, indiretamente, fazer críticas ao presidente Lula.

Vamos a elas:

** Ele disse que o deputado Severino comete gafes mais horríveis do que as que o presidente Lula comete;

** Disse que o presidente Lula tem opiniões tão retrógradas e politicamente erradas quanto as do deputado Severino;

** Disse que o presidente Lula tinha obrigação de ‘fazer’ o presidente da Câmara;

** Disse que o presidente Lula é tão inadequado quanto o presidente Severino – ambos são acidentes horríveis;

** Deixou claro o seu preconceito contra ‘nordestinos’ sem escolaridade superior.

Antes gafe

Num só parágrafo do texto, o colunista usou um fato de forma tão fragmentada que transformou-o numa nova realidade. Isto sim, é ‘novilíngua’.

O presidente Severino tem suas opiniões pessoais, mas até aqui, pelo que vem sendo publicado pela mídia, não se valeu delas para obstruir o trabalho da Câmara nem para tapar a boca de sua filha, que tem opiniões contrárias às dele. Suas opiniões sobre o estupro, pelo que eu li, não diferem daquelas dos religiosos mais paparicados pela mídia. Usá-lo para parecer moderno e ridicularizá-lo pelo uso não-erudito das palavras é puro preconceito.

Quanto ao presidente Lula, em nenhum momento fez declarações deste tipo, pelo contrário, tem se esforçado, com o Ministério da Saúde, para fazer cumprir a lei que protege as mulheres vítimas de estupro.

Quanto às gafes de ambos, digo que as prefiro às empoladas e falsas palavras que mais escondem do que expõem opiniões.

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Psicóloga, Brasília