A comunicação é quesito fundamental para a eficiência da política monetária dos bancos centrais que nem sempre, ou raramente, são portadores de boas notícias para a sociedade em geral e para os consumidores em particular. Sinal claro dessa premissa foi emitido há alguns meses pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, que tomou a iniciativa inédita de conceder entrevistas após a reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto – instância máxima de deliberações sobre a política de juros na maior economia do mundo. O novo modelo de comunicação do Fed – mais similar ao do Banco Central Europeu (BCE) – diz muito sobre este momento de segunda onda da crise financeira de 2008.
A crise aumentou a exposição dos bancos centrais frente aos governos, aos organismos multilaterais, aos seus pares e aos contribuintes. Os intensos estímulos monetários promovidos para evitar um baque nas grandes economias num primeiro momento e, depois, ao redor do planeta, exigiram explicações. Na prática, a crise financeira, agora em novo round desencadeado com o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos, azeitou instrumentos de comunicação de decisões e políticas [monetária, cambial e de crédito] que foram estabelecidos com a adoção do regime de metas para a inflação.
No regime de metas, a política monetária está mais focada em perspectivas. E a transmissão dessa política também depende mais das expectativas que, por sua vez, exigem maior transparência na comunicação. A autonomia operacional dos BCs; a busca de maior eficiência da política monetária; e a redução do risco de vazamento das informações, para garantir a disseminação homogênea dessas informações, são algumas das razões para o aprofundamento da comunicação, relatam as economistas Maria Claudia Gutierrez, Katherine Hennings e Alzira Rosa Morais, do Banco Central do Brasil.
Custo menor
Especialistas no tema, elas alertam também para os limites da comunicação da política monetária, em trabalho elaborado em 2009. Um dos limites é a formação de preço de ativos no mercado; outro, é o cuidado necessário para não comprometer decisões e ações futuras do banco central; e um terceiro limite tem a ver com a credibilidade frente à transparência da instituição. Modelos matemáticos para avaliar o grau de transparência de BCs mostram que o Banco Central do Brasil tem índice de transparência de 12,5, numa escala máxima de 15 pontos, indicam as economistas.
Fabiana Rocha, professora da FEA/USP, confirma que o BC do Brasil é bem sucedido na sua comunicação. Focada no Comitê de Política Monetária (Copom), Fabiana desenvolveu um modelo econométrico para mensurar a efetividade dos comunicados e das atas do colegiado. “O índice é construído sobre a execução da política monetária e o comportamento da taxa de juros nos períodos seguintes às reuniões do Copom. E observamos que o índice traz associações positivas entre o comunicado e a variação dos juros. O que o BC indica nesses documentos é cumprido operacionalmente”, afirma.
A economista da USP avalia que a sinalização eficiente da política monetária tem consequências positivas para o país e não só para o mercado financeiro. Uma boa sinalização leva os agentes a prever melhor as variáveis econômicas mais importantes. Isso diminui incertezas e incentiva, inclusive, investimentos produtivos no país.
“A partir dos anos 1990, com a adoção do regime de metas para a inflação, a comunicação dos BCs ganhou importância. No entanto, a comunicação é instrumento importante para qualquer regime que dê a um banco central capacidade discricionária. Se os bancos centrais estivessem sujeitos a uma regra, a comunicação teria importância menor porque a comunicação mais importante seria a da própria regra a ser seguida. Mas os BCs têm margem de manobra e, nesse sentido, uma comunicação mais bem feita ou mais clara diminui o custo da política monetária porque as expectativas serão mais bem formadas”, explica a economista que também alerta para a polêmica que envolve o tema comunicação dos BCs. “Claro que a comunicação é positiva. Mas comunicação demais pode trazer resultados negativos porque ocorrem mudanças na economia que não são alcançadas pelos documentos das autoridades monetárias”, diz Fabiana.
Realidade volátil
Monica de Bolle, professora da PUC-RJ e diretora da Casa das Garças, pondera que a comunicação é um elemento fundamental da boa condução da política monetária em geral, e dos regimes de metas para a inflação em particular. “Nesses regimes, a influência que os BCs exercem sobre a formação de expectativas é tão importante quanto a definição dos juros. Para isso, é preciso orientar os mercados por meio de documentos e análises oficiais – comunicados, atas e relatórios de inflação –, além de declarações das autoridades. Se a população e os formadores de preços entenderem o que o BC está fazendo, este já é um meio caminho andado para o controle da inflação.”
Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e atual chefe do Departamento Econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), concorda que a concepção de transparência na comunicação dos BCs foi fundamental para o regime de metas, via canal de expectativas. Mas ele alerta que o cenário vem mudando. E que as incertezas aumentaram muito a partir de 2008. Os BCs não têm mais condição de administrar expectativas apenas com transparência. A realidade tornou-se mais volátil. “Novos instrumentos colocam os BCs em situações inusitadas. Recentemente, por exemplo, o BC do Brasil não conseguiu administrar as expectativas do mercado ao adotar medidas macroprudenciais visando risco e pressões no crédito.”
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[Angela Bittencourt é jornalista do Valor Econômico]