Compreender o tempo histórico no qual estamos inseridos constitui uma tarefa árdua. Pressupõe que estejamos profundamente inseridos na complexa teia de relações que nos permeiam e que não é consolidada à nossa revelia. Estamos entremeados por esta dinâmica que, dialogicamente, construímos e somos por ela construídos. O jornalismo ocupa uma posição privilegiada no que tange a oferecer elementos que desvelem e tragam à baila o modo como estas relações se estabelecem. Todavia, a reconstrução desta dinâmica pode ser feita por intermédio de diferentes meios, perpassando desde os registros escritos da historiografia tradicional até os atuais registros fotográficos.
É no interior desta variada gama de possibilidades que se situa a prática do jornalismo e sua responsabilidade de retratar a realidade tal como ela se configura. Por muito tempo, a objetividade foi – e ainda é – objeto de preocupação das ciências sociais. Seria possível debruçar-se sobre os agrupamentos humanos e compreendê-los de modo objetivo, sem a interferência da carga subjetiva do cientista? Esta indagação também se apresenta como um problema ao ofício jornalístico. Durante a produção da notícia, o profissional depara com questões desta natureza – tentar reportar-se ao fato e reproduzi-lo de modo fiel, sem imprimir sua marca ao relato.
Os antropólogos também dispenderam significativo empenho intelectual em numerosas linhas com o escopo de justificar essa vicissitude durante as pesquisas etnográficas. A mera presença do pesquisador altera a dinâmica habitual de determinada organização social. A partir dessa constatação, começou a se cogitar a hipótese do observador participante, aquele que se integrava ao contexto alvo da pesquisa.
Interesses econômicos e de classe
Cultura é comumente concebida como aquilo que engloba os modos comuns e apreendidos da vida, transmitidos pelos indivíduos e grupos em sociedade. É, portanto, o conjunto de elementos que caracterizam um grupo social e fazem com que cada membro deste grupo interprete o mundo de modo mais ou menos parecido. Desse modo, a leitura da realidade será mediada pelas crenças, valores e normas vigentes nessa sociedade. Não obstante, é difícil desconsiderar a influência que a herança cultural exerce sobre a formação da visão de mundo e, por conseguinte, de percepção da realidade. Até dado momento, privilegiou-se destacar a função do aspecto cultural na leitura que o indivíduo desenvolve acerca da realidade.
Há outros fatores não menos importantes. Interesses econômicos e de classe também definem o recorte da realidade que será feito pelos veículos de comunicação. À medida que adotam uma linguagem específica, falam de um determinado lugar, dirigem-se a um nicho previamente selecionado e determinam como os fatos são organizados no interior da escala hierárquica de importância.
Totalitarismo da mídia começa a ser contestado
É indubitável e amplamente sabido o papel que os meios de comunicação desempenham na organização social e no processo de mediação da realidade. O advento da internet e das chamadas novas mídias – e a consequente introdução de linguagens e possibilidade até então inexistentes – promoveu um redimensionamento no modelo editorial convencional e sua respectiva ressonância na opinião pública. Faz-se necessário repensar a produção e difusão de informações. A histórica via de comunicação linear entre emissor e receptor, este último passivo, está sob profunda mudança.
Os meios de comunicação de massa, até então protagonistas, eram responsáveis pela apresentação da realidade – ou aspectos dela – ao público receptor. No momento da escolha do que e de que maneira produzir, tais meios de comunicação orientavam nosso olhar acerca da realidade. A produção de conteúdo e a fabricação de notícias ficavam restritas a centros especializados, tais como redações. Com a expansão, sobretudo, das ferramentas de amplitude, foi concedida ao espectador a possibilidade de criação e difusão de conteúdos. O leitor ou espectador, ao arquitetar seu próprio repertório, elenca suas preferências. Sob o domínio dos veículos tradicionais de comunicação de massa, os indivíduos se organizavam em torno de um determinado conteúdo, criado por centros e profissionais institucionalmente legitimados. Nos dias atuais, somos diuturnamente cercados por conteúdos de diversas origens e naturezas. Isto nos permite procurá-los e selecioná-los a partir de nossos interesses. A opinião pública não mais se articula apenas ao redor dos temas da grande agenda. O totalitarismo da mídia tradicional começa a ser contestado.
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Sociólogo e estudante de Jornalismo