Confesso que o artigo ‘Ler, gostar, pagar’, de Carlos Brickmann [ver remissão abaixo], que trata dos prêmios de jornalismo, deixou-me envergonhado numa primeira leitura. Brickmann (e, pelo que pude constatar, toda a equipe deste Observatório) condena todo prêmio de jornalismo com tema. Só escaparia o prestigioso e já tradicional Prêmio Esso. Sendo diretor de comunicação e imprensa do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego), eu namorava (namoro) a idéia de propor o Prêmio Simego de Jornalismo Impresso e me senti nocauteado pelo artigo de Brickmann. Numa primeira leitura, porque, numa segunda, pensei cá com meus botões: não é bem assim.
Não é difícil concordar com o argumento de que um prêmio temático patrocinado por uma instituição qualquer tem como objetivo semear e colher na imprensa matérias positivas para a instituição patrocinadora. Ou, no mínimo, que matérias negativas, por mais bem feitas que sejam do ponto de vista jornalístico, não terão chance. Também é lícito imaginar que eventualmente se queira com isso propaganda mais barata. Além do que, é muito melhor uma reportagem do que uma peça publicitária, dá mais credibilidade.
Ok, aceito isso. Mas acho que condenar todos e excetuar apenas o Esso é injusto. Primeiro, a exceção. Por curiosidade, entrei na página do Prêmio Esso para ler as regras. Realmente, não há tema diretamente relacionado à atividade da empresa. Não é um prêmio para reportagens sobre ‘a importância das empresas petrolíferas no desenvolvimento do país’, ou coisa que o valha. Pelo que entendi, o prêmio principal é de tema livre, e há alguns prêmios especiais, como o de informação em ecologia, por exemplo. Daí fiquei pensando. Será que nos seus 50 anos de história aconteceu alguma vez de premiar reportagens sobre desastres ecológicos causados por petróleo? Ou sobre poluição nas cidades pelos carros? Ou desemprego por downsizing em empresas petrolíferas na categoria ‘informação econômica’? Ou sobre contribuições eleitorais? Ou, ou, ou…
O valor do cuidado
Antes que me esfreguem o item 3.6 do regulamento na cara (‘Todas as Comissões terão seus membros escolhidos entre profissionais com efetiva experiência adquirida pela atuação em veículos de comunicação e/ou profissionais ligados à área, sendo suas decisões soberanas, respeitado o disposto neste Regulamento, e isentas de quaisquer interferências por parte da Esso Brasileira de Petróleo, delas não cabendo qualquer espécie de recurso, seja a que pretexto for’), quero dizer que não estou insinuando nada maldoso. Estou apenas desfilando minha ignorância acerca das estatísticas das premiações do Esso e me valendo disso para plantar o benefício da dúvida nos corações duros da turma do Observatório.
Mas vamos admitir que sim, reportagens completamente negativas para a indústria petrolífera não só foram premiadas, como o foram várias vezes, alcançando significância estatística para inocentar o Esso, se é que ele precisa disso. Continua injusto que seja a única exceção admitida. Boas intenções não são somente capazes de fazer prêmios de jornalismo bem intencionados. São capazes de promover prêmios de jornalismo crítico também, que dão sua contribuição não somente à própria instituição que o patrocina, mas ao jornalismo mesmo.
Tomemos o caso do Prêmio Simego de Jornalismo Impresso. Sua filosofia não é jogar confetes em jornalistas que elogiem médicos. Esse tipo de matéria sequer será considerado. A intenção é outra, estimular que reportagens sobre problemas no atendimento médico na área da saúde pública e/ou privada sejam feitas de forma responsável, aprofundada, contextualizada. Não se quer com isso doutrinar jornalistas. O que se quer é premiar (literalmente) o esforço. Afinal, médicos e jornalistas hoje padecem de males comuns: excesso de trabalho, escassez de tempo. Sabemos o valor de se debruçar com cuidado sobre um paciente. Ou sobre uma reportagem.
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Médico, autor de Epitáfio (Nankin Editorial)