Desde o último dia 10 de março o mundo acompanha com tristeza e preocupação os eventos ocorridos no Japão em virtude do forte terremoto que provocou um tsunami. Entretanto, o que mais tem tomado a atenção é o acidente na usina nuclear de Fukushima, nordeste daquele país. A lembrança do passado recente, Chernobyl 1986, faz o acidente nuclear japonês ser destaque em todas as mídias.
O fato de o Brasil possuir a maior comunidade japonesa fora do Japão e centenas de descendentes nipônicos que foram àquele país em busca de oportunidades laborais faz daqueles eventos noticias de primeira página nos diversos canais de comunicação nacionais.
A mídia brasileira apresenta as implicações do acidente nuclear japonês para o meio ambiente e saúde humana devido à intoxicação por substâncias radioativas. Resgatam-se acidentes nucleares anteriores ao de Fukushima, dentre eles a contaminação pelo césio 137 em Goiânia, 1987. Geofísicos, químicos, sismólogos vêm à mídia para explicar o que está ocorrendo no Japão e traçar possíveis quadros a partir do ocorrido. A cobertura midiática ao acidente nuclear japonês vislumbra a maturidade jornalística no país, que sai de cena e deixa a cargo de quem entende a discussão sobre o tema.
Energias alternativas
Apesar da importância do tema energia nuclear e da obrigatoriedade de ser explorado, passadas quase duas semanas as informações já são repetitivas. Os mesmos acadêmicos vêm à televisão, concedem entrevistas a jornais impressos e aparecem nas mídias eletrônicas para explicar o mesmo. Este fato corrobora a obra Sobre a televisão, na qual Pierre Bourdieu destaca que os produtos noticiados na imprensa são muito mais homogêneos do que se pode imaginar. Apesar de não haver lido o sociólogo francês, o velho guerreiro Chacrinha certa vez disse que na televisão nada se cria, tudo se copia…
Do que vem sendo noticiado sobre o acidente nuclear japonês percebe-se que a mídia brasileira posiciona-se contra a exploração de energia nuclear. Postura louvável, uma vez que contraria James Lovelock em seu livro A vingança da terra; são muitos e de diversas ordens os estragos que acidentes como o de Chernobyl e, certamente, Fukushima, podem causar à vida no planeta.
Em diversas matérias jornalísticas, apresenta-se a necessidade premente da substituição da energia nuclear por outras formas de energia; alerta-se para o plano energético brasileiro, que vislumbra a construção de Angra III visando a aumentar o uso de energia nuclear no país; e destaca-se a possibilidade de uso de energias alternativas, menos poluentes e com menor risco para o meio ambiente.
Fatos e argumentações
Causa estranheza o fato da imprensa brasileira não estar explorando o debate anterior ao do uso da energia nuclear, ou qualquer outra forma de energia, que é a elevada demanda social. Salvo rara exceção (Jornal da Cultura, exibido no dia 14/03/2011), não se encontra sequer um questionamento sobre os motivos do governo japonês investir fortemente na produção de energias. A possibilidade de construção de Angra III e exploração de demais fontes energéticas no país são explicados pela demanda do crescimento econômico brasileiro. Assim, o debate levantado pela mídia gira em torno de quantos megawatts são necessários para suprir a uma demanda crescente por energia.
Analisar o aumento da demanda por energia implica questionar o modelo de reprodução social de um país. No caso brasileiro, tal aumento implica a elevação nos índices macroeconômicos, amplamente divulgados na mídia nacional e postos como positivos, já que ocupamos o sétimo posto entre as economias mundiais e, em 2015, seremos a quinta economia no planeta. Implica também questionar, por exemplo, uma escola onde 98% dos menores de 10 anos estão incluídos, porém a escola que inclui é uma quase-escola, com todos os problemas possíveis e inimagináveis; implica, ainda, questionar os elevados índices de reciclagem de alumínio (ver, neste Observatório, ‘O lixo fora da lata‘), em uma indústria que se reproduz externalizando custos de produção através, dentre outros, da exploração do trabalho dos catadores e concentrando lucros. Em síntese, mais do que informar os fatos, falta à mídia brasileira questionar tais fatos, passíveis, sim, de argumentações.
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Economista e doutor em Geografia, Natal, RN