Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Controle profissional não é censura

Alberto Dines para presidente do Conselho Federal dos Jornalistas. Caro Dines, inicialmente, mil desculpas pela aparente ironia. É que essa história do Conselho Federal de Jornalismo me faz lembrar as discussões que tínhamos na época de Sindicato. Fui presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (1989/92). Foi quando percebi claramente que, diante de uma transformação acelerada do processo de produção, e, sobretudo, da formação e do exercício profissional, os sindicatos de jornalistas tendiam ao esvaziamento. Foi o que ocorreu. É o que ocorre. Comento esse fato, portanto, na condição de ex-sindicalista e de jornalista – como se diz por aí – empreendedor. Na verdade, tenho uma pequena empresa que presta assessoria.

Como estamos hoje? Quem vive sob o foco da mídia pode até achar que cidadãos acima de qualquer suspeita não podem ser julgados por uma espécie de tribunal que lhes tolha o sagrado direito de defesa. Logo, há que se estabelecer limites à informação. Do outro lado, há quem veja nisso uma grave ameaça aos preceitos constitucionais de liberdade de expressão. Meu amigo José Paulo Cavalcanti Filho, advogado e estudioso da comunicação no Brasil, introduziu, a esse respeito, o que chamou de ‘Paradoxo da Liberdade com Responsabilidade’. Infelizmente, como sempre acontece, nem os jornalistas nem as empresas de comunicação deram seqüência ao que ele propôs. Qual seja: não existe democracia sem imprensa livre, do mesmo modo que não existe democracia com imprensa livre. Limites à liberdade de expressão existem nas democracias mais abertas, mas não nos enganemos: só vale se for de natureza pública.

Ora, o Conselho Federal proposto, a meu ver, dificilmente passará pelo gargalo do Congresso Nacional porque, sendo o seu objetivo fiscalizar o exercício profissional – ressalte-se: fiscalização a cargo dos próprios jornalistas – algumas pessoas passaram a encará-lo de viés, confundindo, propositadamente, controle profissional com censura. Pior é quando se procura imaginar o conselho nas mãos da CUT, do PT, da Fenaj.

De maneira torta

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) constitui um bom exemplo de organização desse molde. A OAB tem seu Conselho, seu Código de Ética e Disciplina, atua com independência, cutuca a sociedade com autoridade e moral, interfere na formação dos cursos jurídicos e corta a própria carne, quando necessário. Por que não podemos fazer o mesmo? Ninguém está falando em tirar a independência do jornalismo quando se fala em fiscalizar o exercício profissional. Até porque essa fiscalização se dará nos moldes do que ocorre com a OAB, e nunca se ouviu falar de advogado que ache que sua instituição o está atrapalhando nas funções. Isso vai depender de nós, considerando que a proposta remetida pelo Executivo vai ao Congresso. Resultou de iniciativa semelhante a constituição da OAB: a Lei 8.906, denominada Estatuto da Advocacia e da OAB.

Antes de ser OAB, chamava-se Instituto dos Advogados do Brasil (IAB). Quando da criação do Conselho Federal da OAB, coube à diretoria do IAB assumir funções de direção provisórias. Hoje, o IAB ainda existe. É uma entidade à parte, com diretoria própria, nada a ver com o Conselho Federal da Ordem. Penso que assim pode ser com a Fenaj. Em outro momento, ela pode até continuar a existir, cutista, petista ou como quiser.

O Conselho Federal de Jornalismo, acredito, daria ao jornalismo a oportunidade de se tornar uma profissão de fato, regulado e fiscalizado pelos próprios jornalistas. Muitos dos colegas que estão escrevendo e falando contra o conselho publicamente, pelo respeito que tenho a eles, seriam meus candidatos naturais ao órgão máximo da classe. Nomes ilustres atualmente fora do movimento sindical, por razões óbvias, teriam muito a contribuir com o conselho.

Alberto Dines, por exemplo, é o meu candidato para presidir órgão tão importante. Por sua inteligência e a contribuição que tem dado às discussões em torno da comunicação, prestaria um enorme serviço à democracia brasileira.

Ocorre que a discussão chegou de maneira torta à sociedade, levada pelos jornais, revistas e TVs. E continua torta por culpa de nós mesmos. Sempre disse, e reafirmo, que os jornalistas não precisam de patrões. Em toda a minha vida de redação (só no Estadão, 15 anos e sete meses), nunca trabalhei com o patrão do meu lado. Vi o Dr. Júlio Mesquita uma vez na vida, de relance. Os patrões somos nós.

Para onde iremos?

Na minha época de Sindicato (isso foi há uma década), um número expressivo de jornalistas já havia concluído o que eu demorei a perceber: que há vida fora das redações. Um novo mercado surgiu como subproduto da democracia, da necessidade de empresas e instituições buscarem novos canais de comunicação com a sociedade. Profissionais que antes tinham seus contratos amarrados à Consolidação das Leis do Trabalho tornaram-se pequenos, médios e alguns até com muito jeito de grandes empresários. Tradicionais empresas de comunicação também começaram a contratar jornalistas à margem dos acordos coletivos, remunerando-os como pessoas jurídicas.

O sindicato é de trabalhadores e sua missão é lutar por salários, melhores condições de trabalho. Nessa condição, participei, ao menos, de duas grandes greves e perdi a conta de quantas paralisações-relâmpago. Faz parte.

Mais de uma década depois, o que aconteceu com a categoria? Eu, por exemplo, vivo hoje do meu próprio negócio como jornalista. Não posso participar de uma assembléia no sindicato para discutir, digamos, uma certa campanha por melhores condições de trabalho numa determinada redação ou as propostas de reivindicações apresentadas às direções dos jornais na datas-base da classe. Seria um tanto estranho.

Mas gostaria de participar de um debate sobre a liberdade de informar e a responsabilidade dos jornalistas no uso dessa liberdade. Ou sobre os direitos e deveres na circulação de informações na internet; me interessa discutir, ainda, privacidade e interesse público. Por que não sobre a responsabilidade da mídia na defesa da língua portuguesa? E os cursos de Comunicação? Por fim, gostaria de refletir mais sobre um código de ética que não seja este que está aí, aprovado pelo Congresso de Jornalistas de 1986, muito bom na essência, mas sem aplicação nenhuma, porquanto feito de dentro para dentro, infelizmente, transformado em pano de fundo para resolver arengas de coleguinhas. Para onde iremos eu e tantos outros?

A nova construção

Certa vez, escrevi que assessor de imprensa não é a mesma coisa que repórter, embora considere que são jornalistas. O Correio Braziliense, na época, publicou artigo de uma página de outro colega me esculhambando. Agora, o que Dines escreveu em seu artigo recente:

‘Nada contra assessorias e assessores: são essenciais para planejar ações motivadoras e executar programas de informação. Mas isso é divulgação. Sob o ponto de vista objetivo e subjetivo isto não é jornalismo, é comunicação dirigida, parcial. E o jornalista é um comunicador imparcial. A diferença entre as duas atividades, igualmente respeitáveis, é apenas essa. Pequena, porém transcendental.’

Felizmente não há ninguém de plantão para esculhambar o autor. Prova de que estamos amadurecendo.

Continuando: não serão os sindicatos, nem a Fenaj (entidades de cunho sindical), nem a Associação Brasileira de Imprensa (instituição de natureza civil) que reunirão os jornalistas (digo, todos, inclusive aqueles que têm preconceito com os sindicatos) em torno de um debate conseqüente a respeito desses grandes temas. Tudo deságua num Conselho Federal de Jornalistas, com estatuto e normas de disciplina fundados em lei federal, na qual sejam estabelecidas relações democráticas entre a liberdade de informar e o respeito ao direito dos cidadãos.

Penso que essa é a nova construção que se coloca diante dos jornalistas brasileiros. E vou além: fora disso, melhor considerarmos nossos diplomas meros certificados de curso técnico-profissionalizante, de nível médio, suponho. Honestamente.

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Jornalista, diretor da empresa Sapiens Comunicação, Brasília