Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Convergência e pancadaria

Nas manchetes, a drástica divisão do país com o empate técnico entre os candidatos majoritários. Nos palanques, uma fúria da qual não escapa a chefe da nação (teoricamente a presidente, ou presidenta, de todos os brasileiros, correligionários ou não). Quase escondida – sem holofotes, órfã de entusiasmos – a distante quimera que se converte em realidade: a possível convergência entre antagonistas.

Símbolo desta quimera, o governador eleito do Maranhão, o comunista Flávio Dino (PCdoB), promete um “choque de capitalismo”. Com 64% dos votos válidos, seu vice é do PSDB (Carlos Brandão), seu senador é do PSB (Roberto Rocha), todos apoiados pelo PPS e todos da oposição. Registre-se que o PPS (um dos herdeiros do PCB, o velho “Partidão”), raramente está do lado do PCdoB e que o principal opositor do eleito, Lobão Filho do PMDB, foi apoiado pelo PT. A base aliada do governo não poderia alinhar-se com aquele que encarnava a oposição à confraria dos clãs Sarney-Lobão-Murad, símbolo das alianças espúrias do PT para conservar-se no poder.

Flávio Dino pode falar tranquilamente em “choque de capitalismo” porque o coronelismo maranhense é feudal, pré e anticapitalista, oligárquico, patrimonialista, nepotista e visceralmente reacionário. Representante de um partido comprometido com o Estado laico e o secularismo, Flávio Dino pode convocar as diferentes confissões religiosas para ajudá-lo na recuperação do sistema penitenciário local – fábrica de criminosos, bastião da barbárie – sem parecer cruzado ou missionário.

Um apelo

Encarapitados no carro-chefe do atraso, a trinca de caciques combatidos pelo novo governador maranhense esteve e está presente em todos os escândalos políticos e financeiros – dos atos secretos na mesa do Senado Federal à censura prévia imposta por juízes amigos aos jornais que os combatem; da apropriação de verbas para obras jamais iniciadas às informações privilegiadas antes da liquidação do Banco Santos. O dedo podre do caciquismo maranhense não perdeu uma única oportunidade para acumpliciar-se com malfeitorias e maracutaias – do mensalão às propinas na Petrobras.

À primeira vista pode parecer fácil a montagem de coligação tão abrangente de ex-adversários contra o inimigo comum. Não foi. Prova é a longevidade do nefasto conluio em operação há mais de meio século. Estas convergências podem multiplicar-se, basta que a consciência e a decência não sejam represadas por amarras partidárias.

A Frente Ampla constituída em 1966 por três ex-inimigos figadais (Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart) para combater a ditadura militar foi fruto de igual impulso convergente e unificador. Não deu certo, o AI-5, proclamado dois anos depois, a impediu de prosperar. Se bem sucedida, a Frente Ampla poderia ter abreviado os tempos de chumbo em, pelo menos, 17 anos.

O mineiro Fernando Pimental, amigo de Dilma Rousseff, seu ministro do Desenvolvimento por três anos, prefeito de Belo Horizonte quando Aécio Neves era governador do estado, com ele montou uma inédita experiência política ao patrocinarem juntos o candidato Marcio Lacerda, do PSB, à prefeitura da capital mineira derrotando o candidato do PT, Patrus Ananias.

E do mesmo Fernando Pimentel partiu agora o apelo mais veemente e mais patético para um segundo turno menos exaltado: “Campanha de pancada e agressão não leva a lugar nenhum”. Só leva ao terceiro, quarto e quinto turnos.