Após 114 dias em cativeiro, o jornalista escocês Alan Johnston, da BBC, foi finalmente libertado em Gaza nesta terça-feira (3/7), após negociações lideradas pela facção Hamas. Magro, mas aparentando estar bem, Johnston foi levado para a casa do ex-primeiro-ministro Ismail Haniyeh, onde foi recebido por colegas da BBC e participou de uma entrevista coletiva.
O jornalista agradeceu às pessoas em todo o mundo pelo apoio durante o seqüestro. Depois da casa de Haniyeh, Johnston seguiu, acompanhado de diplomatas britânicos, para o consulado do Reino Unido em Jerusalém. O escritório local da BBC foi enfeitado com balões coloridos e os jornalistas abriram garrafas de champanhe para comemorar. Pouco antes de falar para centenas de funcionários da rede britânica em Londres por um link de vídeo de Jerusalém, Johnston cortou o cabelo, para se livrar do ‘visual seqüestrado’, brincou. Sorridente, prometeu que ficará ‘longe do perigo’ no futuro. ‘Eu acho que três anos em Gaza como correspondente seguidos por quatro meses de seqüestro em Gaza é provavelmente mais Gaza do que a maior parte das pessoas precisa em suas vidas… Não acho que voltarei para lá por algum tempo’, afirmou.
O jornalista contou que as últimas 16 semanas foram as piores de sua vida. ‘Era como ser enterrado vivo, retirado do mundo. Por vezes, era apavorante, com pessoas que eram imprevisíveis e perigosas’, disse. ‘Eu sonhava que estava livre e acordava naquele mesmo quarto. É difícil acreditar que não acordarei mais no mesmo quarto’.
Quatro meses no inferno
Johnston foi levado por homens armados em 12/3, quando seguia para casa, na Cidade de Gaza. Apesar de, logo de início, seus captores prometerem que não iriam assassiná-lo ou torturá-lo, eles o acordaram na primeira madrugada em cativeiro, puseram um capuz em sua cabeça, o algemaram e o levaram para o lado de fora da casa. ‘Aí você começa a se perguntar o que vai acontecer’, afirmou. Em outra ocasião, os seqüestrados o acorrentaram pelos pulsos e tornozelos e o deixaram assim por 24 horas.
Na maioria do tempo, entretanto, o jornalista ficava sozinho. ‘Tive 16 semanas de confinamento solitário […] Eles me deixavam só por longos períodos. Era horrível. Eu não sabia como aquilo acabaria’, contou. Johnston disse ainda que, após duas semanas em cativeiro, recebeu um rádio, onde pôde ouvir, com felicidade, sobre manifestações que pediam sua libertação. ‘Era fantástico ouvir sobre manifestações em Jacarta e Pequim’.
Johnston descreveu seus seqüestradores como um pequeno grupo jihadista menos preocupado com o conflito palestino do que em como ‘entrar com uma faca na Grã-Bretanha’. A até então pouco conhecida milícia Exército do Islã, que pertence a uma poderosa – e perigosa – família da região, havia ordenado, inicialmente, que o Reino Unido libertasse alguns prisioneiros muçulmanos, entre eles um clérigo radical ligado à al-Qaeda.
Nova era, diz Hamas
O Hamas trabalhava pela soltura de Johnston desde o mês passado, quando invadiu o principal complexo de segurança do Fatah, com quem dividia o governo da Autoridade Palestina, na Cidade de Gaza. Aparentemente, ao pressionar pelo fim do seqüestro do jornalista escocês, o objetivo do Hamas era melhorar suas relações com países ocidentais que criticaram duramente o golpe contra o grupo rival.
Mahmoud Zahar, co-fundador do Hamas, afirmou que a libertação de Johnston – jornalista que ficou por mais tempo em poder de seqüestradores na região – marca o início de uma nova era. ‘É uma mensagem clara’, disse. ‘Nós não vamos permitir ações ilegais contra ninguém. Nós confiscaremos as armas nas mãos dos clãs usadas para interesses pessoais’.
Um porta-voz do Exército do Islã afirmou, entretanto, que as armas do grupo ‘não serão entregues a ninguém’. Ele disse ainda que os seqüestradores não conseguiram muito em troca da soltura de Johnston. ‘A única garantia foi a de que o Islã será difundido pelo mundo’, afirmou, enigmático.
Sem detalhes
O ex-premiê Haniyeh, que tomou café da manhã com Johnston e apareceu de mãos dadas com ele na entrevista coletiva, não informou detalhes sobre as negociações que levaram à libertação do correspondente. Ele afirmou apenas que se tratou de um ‘momento de orgulho para todos os palestinos’.
Johnston agradeceu a Haniyeh e ao Hamas, e contou que os captores mudaram seu comportamento quando a facção assumiu o poder sobre Gaza, em junho. ‘Os seqüestradores estavam, na maior parte do tempo, confortáveis e seguros, até que o Hamas assumiu o controle da situação. A partir daí eles ficaram muito mais nervosos’, disse, completando que, após o golpe que dissolveu o governo palestino, os membros do Exército do Islã chegaram a falar em matá-lo.
Quando o Hamas apertou o cerco, eles amarraram um cinto de explosivos na cintura de Johnston e gravaram um vídeo, divulgado pela internet. Nos últimos dias, o jornalista foi trocado de cativeiro por diversas vezes.
Impunidade generalizada
A organização Repórteres Sem Fronteiras festejou a libertação de Johnston, mas lembrou que a saída do jornalista da Faixa de Gaza deixa a região sem correspondentes estrangeiros. ‘Nós esperamos que a situação de segurança seja estabilizada o suficiente para que correspondentes estrangeiros possam retornar e para que jornalistas palestinos possam trabalhar sem ameaças ou perturbações. A Autoridade Palestina deve tomar medidas para garantir que isso não aconteça novamente. Quinze jornalistas foram seqüestrados na Faixa de Gaza desde 2005. Seus captores nunca foram presos ou punidos, apesar de muitos serem conhecidos pelas forças de segurança. Esta impunidade generalizada deve ter um fim’, declarou a RSF. Informações de Sarah El Deeb [AP, 4/7/07], Conal Urquhart [Guardian Unlimited, 4/7/07], Repórteres Sem Fronteiras [4/7/07] e Taghreed el-Khodary e Steven Erlanger [The New York Times, 4/7/07].