A mídia já acendeu a luz amarela. Para grande parte da imprensa, as principais obras para a Copa do Mundo de 2014, que será realizada no Brasil, estão atrasadas. A menos de um ano para o primeiro evento, o sorteio para as eliminatórias, os meios de comunicação alertam a sociedade e autoridades para o fato de que questões estruturais precisam ser tratadas com urgência. Além das obras dos estádios de futebol – que na visão de especialistas podem se tornar ‘elefantes brancos’ ao final do campeonato em cidades de menor porte –, projetos para as áreas de |
pranchetas o quanto antes. O Observatório da Imprensa exibido na
terça-feira (3/8) pela TV Brasil discutiu o papel da mídia no acompanhamento dos
preparativos para a Copa do Mundo de 2014.
Para discutir essa questão, o jornalista Alberto Dines recebeu no estúdio do
Rio de Janeiro Carlos de La Corte, consultor de estádios do Comitê Organizador
Local (COL) da Copa do Mundo 2014 e responsável pela interface com os
departamentos técnicos da FIFA, e Jorge Luiz Rodrigues, editor-assistente de
Esportes e colunista do ‘Panorama Esportivo’ do jornal O Globo. Jorge
Luiz cobriu seis Copas do Mundo e cinco Jogos Olímpicos. Foi correspondente do
jornal na África do Sul nos seis meses anteriores à última Copa. Em São Paulo, o
convidado foi Wagner Vilaron, repórter e colunista do jornal O Estado de
S.Paulo e comentarista dos canais Sportv. Vilaron cobriu a Copa América de
2001, a Copa do Mundo de 2002 e a Copa das Confederações de 2003.
Antes do debate no estúdio, na coluna ‘A Mídia na Semana’, Alberto Dines
comentou o aniversário de um ano da censura ao jornal O Estado de
S.Paulo. Uma determinação do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), impede o jornal de publicar
informações sobre a Operação Faktor, da Polícia Federal, que investiga as
empresas de Fernando Sarney, filho do presidente do senado, José Sarney
(PMDB-AP). ‘O dono do Maranhão não quer que o jornal investigue os negócios de
sua família no estado, muitos menos os 500 atos secretos que a mesa do Senado
promulgou impunemente ao longo de 15 anos. O Brasil é uma democracia, mas falta
muito para que esta democracia funcione para todos’, afirmou.
Panorama pessimista
Ainda antes do debate ao vivo, em editorial, Dines destacou que a abertura da
Copa, programada para junho de 2014, é um marco simbólico, mas que um ano antes,
na Copa das Confederações, os estádios já devem estar prontos. ‘Esta Copa será o
nosso vestibular para ingressar no seleto clube dos países organizados,
disciplinados, competentes e responsáveis’, disse, e classificou o papel da
imprensa como fiscalizadora dos preparativos como ‘crucial’.
A reportagem exibida no programa entrevistou jornalistas e especialistas no
tema. Carlos Roberto Osório, que foi secretário-geral dos Jogos Panamericanos de
2007, realizados no Rio de Janeiro, avaliou que o grande desafio do Brasil é
encarar a responsabilidade que assumiu desde o momento inicial e trabalhar de
maneira organizada e integrada. ‘O pior inimigo da preparação do Brasil nestes
eventos [a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016] é a letargia’, ponderou.
Osório avaliou que esses grandes eventos esportivos são ‘eventos de mídia’,
com alcance global e local. ‘O grande desafio da mídia e do organizador do
evento é estabelecer esta relação uniforme desde o primeiro momento’, disse. É
importante a participação constante da imprensa para que ela possa entender ‘a
lógica do evento’ e a dinâmica da organização. Para Osório, é natural que haja
uma oscilação no interesse da mídia sobre o assunto nos quatro anos que precedem
a realização do evento.
Imprensa como fiscal
Luiz Ernesto Magalhães, repórter da editoria Rio do jornal O Globo,
disse que este é um momento importante para a imprensa, não só a esportiva, como
também para as editorias que investigam a aplicação de recursos e fiscalizam os
cronogramas. ‘Tudo está estourado’, alertou. Cláudio Arreguy, editor de Esportes
do jornal Estado de Minas, destacou que cada vez mais os jogos ganham
contornos ‘grandiosos e gigantescos’ e as dificuldades para a imprensa aumentam
na mesma proporção. ‘Há horário para tudo, há limite para tudo’, reclamou
Arreguy. Outro fator que pesa na cobertura é o crescente número de jornalistas
escalados para o evento.
Para Ricardo Trade, diretor-executivo de operações do Comitê Olímpico Local
(COL), o Brasil herdará um grande legado da realização da Copa de 2014:
experiência na realização de grandes eventos, impacto na questão ambiental,
melhorias nos transportes públicos, na estrutura dos aeroportos e nos serviços
na rede hoteleira, entre outros.
Mesmo os estádios construídos em áreas onde não há tradição no futebol, na
visão de Trade, podem ser úteis após a conclusão dos jogos. ‘O papel a imprensa
é nos ajudar a cobrar com que todas as coisas sejam realmente transparentes, com
que todas as obras estejam no prazo. Nós vamos estar mostrando o que estamos
fazendo, é ordem no nosso presidente Ricardo [Teixeira] para que façamos tudo
com a maior transparência possível, com a maior velocidade possível para que as
coisas saiam a tempo’, disse. Trade criticou a ‘crítica pela crítica’, sem
fundamentos, feita por parte da imprensa.
Legado questionável
De Londres, por internet, o correspondente Silio Boccanera contou que a
organização dos próximos Jogos Olímpicos – marcados para em 2012, na capital
inglesa – afirma que tudo estará preparado um ano antes do início oficial do
evento. O jornalista destacou que o orçamento inicial do projeto triplicou em
dois anos e, atualmente, gira em torno de 25 bilhões de reais. Boccanera contou
que todas as atividades serão concentradas em uma área pobre de Londres, mas
especialistas em finanças e economia do esporte afirmam que megaeventos
esportivos são cercados da ‘retórica de grandes benefícios econômicos e
sociais’, mas na prática a expectativa não se concretiza.
No debate no estúdio, Dines perguntou para Carlos de La Corte se há tempo
para que tudo esteja pronto para a Copa de 2014 dentro dos prazos estabelecidos.
O representante do COL disse que ‘tem que dar tempo’ e explicou que o comitê vem
se estruturando há dois anos para esta ‘empreitada difícil e árdua’. O arquiteto
disse que os organizadores estão angustiados com o cronograma apertado, mas que
estão sendo realizadas reuniões constantes nas cidades-sede. Nesses encontros, o
Comitê Organizador Local tem fiscalizado as licitações realizadas para a
construção dos estádios e cobrado definições de prazo. ‘A nossa preocupação é
com o primeiro evento, em meados de 2013’, disse.
Dines questionou se os estádios podem vir a ser ‘o símbolo da loucura e da
falta de planejamento’ após a realização dos jogos. Para Wagner Vilaron, este é
um dos principais receios em relação às obras. Grandes estádios – que podem
chegar a custar R$ 1 bilhão, com capacidade para 70 mil pessoas – construídos em
locais onde não há tradição no futebol e de torcida, como Brasília, correm o
risco de ficarem subutilizados após a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.
Vilaron acredita que, em um primeiro momento, haverá ‘ociosidade nítida’, mas é
possível que no futuro, com uma mudança de hábito, o panorama mude.
Arenas polêmicas
Para Carlos de La Corte há uma banalização do nome ‘elefantes brancos’. É
preciso avaliar, na opinião do arquiteto, não apenas a questão financeira, mas
também o potencial social e de regeneração urbana dos estádios, que podem ser
usados para transformar social e culturalmente a região onde foram construídos.
Sobre a escolha de cidades que não têm expressão no futebol nacional para
sediarem os jogos, o representante do COL disse que há questões turísticas
envolvidas, pois existe o desejo de integrar a região Norte do país ao evento.
‘Há também razões externas – políticas e estratégicas – que fogem do nosso
controle’, argumentou. O arquiteto defendeu que a imprensa fiscalize, monitore e
cobre transparência no uso do dinheiro público na Copa. Na opinião de Carlos de
La Corte, a questão técnica e de operação de um estádio de futebol está sendo
conhecida hoje no Brasil, pois nunca foi discutida pela imprensa nacional a não
ser em críticas pontuais sobre o conforto e a segurança dos estádios. ‘É preciso
entender um pouco mais sobre o financiamento desse processo, como tudo está
intimamente ligado. O próprio funcionamento dos clubes, a qualidade do futebol
que está sendo jogado, como cobrar um ingresso mais caro se você não está
oferecendo conforto e segurança para o espectador, como as torcidas organizadas
vão se encaixar neste novo modelo’, disse.
Com a experiência de ter acompanhado a fase final da organização da Copa do
Mundo realizada na África do Sul, o jornalista Jorge Luiz Rodrigues avaliou que
este é um grande desafio para o Brasil. ‘A FIFA chama de big six os
grandes pontos e o estádio é só o sexto ponto da cadeia. Por que o sexto ponto?
Vamos imaginar que o jogo de abertura da Copa do Mundo 2014 seja sorteado Brasil
e Costa do Marfim. Dez minutos do primeiro tempo. Morumbi, Maracanã, Mineirão –
o que seja – lotado. Acaba a luz. O que acontece? Duzentos e dez países
transmitindo aquilo ao vivo, bilhões de dólares investidos, e você não teve a
preparação energética’, exemplificou. O jornalista destacou há um grande
trabalho pela frente em diversas áreas.
Do papel à ação
Da chegada ao aeroporto, primeira preocupação da FIFA, à hospitalidade da
população, tudo deve ser pensado com antecedência. A locomoção entre as
cidades-sede e dentro delas é outro ponto-chave da organização. O setor
hoteleiro terá que oferecer 55 mil acomodações, de acordo com Jorge Luiz
Rodrigues. Cerca de 220 mil credenciais precisarão ser confeccionadas, das quais
85 mil para a mídia. ‘É um desafio tremendo que a gente tem pela frente. No
último dia 30 fez dois anos e oito meses desde que o Brasil ganhou a sede da
Copa e muito pouco foi feito até agora’, criticou.
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Largada para 2014
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 557, exibido em 3/8/2010
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
A hora da verdade já está anunciada: em junho de 2014 a bola vai rolar na
abertura da 20ª Copa do Mundo. Mas vai rolar em que estádio? No Maracanã, em
Minas, Brasília ou São Paulo? Mas São Paulo sequer tem estádio!
Quando se fala em prazos e datas é preciso lembrar que 2014 é um marco
simbólico. Um ano antes da Copa, em 2013, deveremos ter tudo pronto para a Copa
das Confederações. A questão do futebol é a que menos preocupa porque em quatro
anos não será difícil recomeçar da estaca zero e montar um elenco de jogadores
de onde sairão os 23 que vestirão a camisa amarela.
Esta Copa será o nosso vestibular para ingressar no seleto clube dos países
organizados, disciplinados, competentes e responsáveis. Os prognósticos não são
otimistas. Basta ver o que aconteceu ontem [segunda, 2/8] nos principais
aeroportos do país: um mini-apagão aéreo causado pelo fim das férias escolares e
o mau tempo reinante no sul-sudeste. Problemas que trouxeram de volta o estresse
e a sensação de insegurança. Em junho e julho de 2014 também haverá mau tempo,
com o agravante de que teremos 600 mil turistas estrangeiros e 3 milhões de
torcedores brasileiros movimentando-se em direção às doze sedes espalhadas pelos
quatro cantos do país.
A imprensa vai desempenhar um papel crucial: se ficar quieta a coisa desanda,
se não cobrar, fiscalizar, espernear e fizer barulho, será muito pior.
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A mídia na semana
O Brasil é uma democracia? E como se explica que ao longo de um ano um grande
jornal brasileiro esteja amordaçado pela censura judicial? Existem democracias e
democracias, a nossa é mais elástica por isso não causa espanto que o artífice
da censura imposta ao Estadão seja o presidente do Senado, José Sarney. O
dono do Maranhão não quer que o jornal investigue os negócios de sua família no
estado muitos menos os 500 atos secretos que a mesa do Senado promulgou
impunemente ao longo de 15 anos. O Brasil é uma democracia, mas falta muito para
que esta democracia funcione para todos. (A.D.)