Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Covardia e confrontação

Não foi piada ou provocação. Ao chamar de covardes os jornalistas que são contrários à idéia de um Conselho Federal de Jornalismo, o presidente Lula deixa de lado o papel de árbitro que adotou até agora.

‘Lulinha paz e amor’, serviu para a campanha, para a posse e para enfrentar os inevitáveis escorregões da primeira metade do mandato. Agora o negociador avisa que chegou a hora dos murros – na mesa ou nos adversários.

A acusação de covardia é forte demais para ser menosprezada. ‘Frouxo’ é um coloquialismo que ficaria bem no clima caribenho, descontraído e brincalhão, tão próximo das tiradas populistas de Hugo Chávez ou das lembranças do falastrão Cantinflas. O jeitão informal que presidentes adotam nas viagens internacionais foi substituído por um inédito desafio.

Covardes fogem da luta, então o clima é de guerra, combate, rixa, pega, contenda, peleja. Se o chefe da nação tira a toga de magistrado está assumindo claramente que não há mais lugar para conversa e aderiu a uma das facções beligerantes. Isto é grave. Sobretudo porque a questão é irrisória demais para merecer tão abrupta mudança de ânimo e de tática.

Comprometer-se desta maneira numa controvérsia que envolve apenas os interesses de uma entidade sindical tão descaracterizada e deslegitimada como é a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), não foi um erro de avaliação. Foi uma oportunidade para tirar o paletó e comprar uma briga com outros adversários.

O projeto do audiovisual nada tem a ver com esta história, foi coincidência. Já a criação do Conselho Federal de Jornalismo foi uma represália ostensiva contra a avalancha denuncista veiculada por uma mutação genética do vírus da imprensa marrom, a imprensa predadora. O presidente e seus conselheiros imaginavam que a Fenaj era dominada por jornalistas que poderiam interromper aquele sórdido jornalismo investigativo sem investigações. Na Fenaj predominam os assessores de imprensa há muito afastados das redações.

Foi um murro na água. Mas o golpe seguinte – a inédita transformação do presidente do Banco Central em ministro de Estado – revela um evidente animus bellandi, disposição para a guerra, desnecessariamente exacerbada. Assim também, as duas manobras no STF – a derrubada da liminar que proibia o novo leilão para a exploração do petróleo e a aprovação da contribuição dos inativos, o item mais controverso da reforma da Previdência – onde o governo, através do beneplácito do presidente da suprema corte, atropelou procedimentos e composturas.

Mais estragos

O governo está jogando pesado. Aproveita-se da maré de boas novas na economia – ou na econometria –, para mudar o tom de um discurso marcado até agora pela idéia da negociação e dos consensos. Deixou de lado o bom-mocismo e a bonomia. Ligou o rolo compressor.

A troca de humor nada tem a ver com o astral, nem é comandada pelo fígado. Está claramente vinculada à temporada eleitoral. Não apenas o povão mas também as elites adoram o mandonismo.

O mais curioso é que este surto rixento e autoritário não se relaciona com as bandeiras e promessas sociais do PT. Ao contrário: o cala-boca (que inclui a desastrada tentativa de criação do Conselho Federal de Jornalismo) está sendo aplicado tão-somente para blindar as figuras e ações de uma política econômica que somente lá adiante, ao longo do segundo mandato, poderá resultar em benefícios efetivos para a população.

A estratégia do confronto é insensata e perigosa. Os campos minados espalham-se em todos os territórios e esferas. Ao chamar de covardes aqueles que dele discordam, o presidente acionou um dispositivo com alto poder de irradiação. Mesmo aqueles que não se interessam pelas pendengas corporativas dos jornalistas, tiveram os seus brios acionados. A covardia distribuída de forma tão generalizada já acionou coragens insuspeitas e pode despertar galhardias desnecessárias.

O surto de agosto continua a fazer estragos.