Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Credibilidade e a tentação novidadeira

Só pode ser pensamento maniqueísta. Uma coisa só pode ser se outra não puder. A popularização disso decreta o fim daquilo. Foi assim com a carta quando o telégrafo foi inventado. Foi assim com o cinema quando o videocassete veio à existência. Ocorreu com o long playing (LP) quando surgiu o compact-disc (CD) e com a fita VHS quando apareceu o DVD. A sedução do novo, quando potencializada pelos meios de comunicação, serve como epitáfio de nosso passado recente, tão recente que até bem pouco era imbatível presente, sempre a melhor época para se viver, época em que nada de novo faltava inventar.

Atravessamos a primeira década do século 21 debatendo se falta pouco para o jornal impresso receber o tiro de misericórdia dos meios virtuais, que conectam, a custos muito baixos, milhões de pessoas de todo o mundo através da Grande Teia, a onipresente internet. Impressiona o número de novidades que surgem do dia para a noite. Muitas são as facilidades providas por leitores RSS, a diversidade temática dos diários virtuais (os conhecidos blogues) e a eficiência dos alertas do Google para qualquer assunto, qualquer idéia e qualquer simples palavra. Ainda assim – e apesar disso tudo – é imperativo reconhecer a força e poder que desfrutam os meios de comunicação tradicionais: o rádio, o jornal e a televisão.

É que há toda uma história de credibilidade por trás do edifício da comunicação dita tradicional, coisa que ainda não deu tempo – se é que isso acontecerá um dia – para ser construída em torno das novas mídias. É por isso que encontramos tanta publicidade veiculada nos meios impressos promovendo bens e serviços existentes muitas vezes apenas nos meios virtuais. É difícil encontrar notícia que não forneça ligações (links) na internet. O mundo da internet se torna extensão de nossos olhos, ouvidos e puxadinho de nossa mente, essa oficina que trabalha o pensamento. Também desconheço colunista (de renome, para o bem ou para o mal) que não divulgue seu endereço virtual – seja um sítio ou blog – no espaço em que antes reinava até bem pouco.

Consequências constrangedoras

Não nos enganemos. Os meios de comunicação são ainda muito eficazes para levar sua mensagem ao mundo. Pode até ser que um suplante ou outro, mas não são antípodas, não são excludentes e ao menos por enquanto, têm tudo para ser complementares.

Outra constatação: se o meio impresso tivesse que ser eliminado já teria sido. Não foi assim o declínio e a queda do império dos discos bolachões ante a crescente onipresença dos CDs? Importante ponto a favor do meio impresso é que integramos a civilização da concretude: há que se apalpar, dobrar, amassar, guardar dentro de livro, recortar com tesoura, colar em algum lugar. Quem não gasta um bom par de horas buscando aquele texto necessário e guiado unicamente por sua fé na existência física do texto? Uma voz dentro da gente nos diz: ‘O texto existe. Sei que existe. Apenas não lembro onde o deixei, mas tenho absoluta certeza que o texto do José Castelo passou por minhas mãos!’

Agora… quem poderia usar tais palavras, encadear frases como essas, fazer tal profissão de fé quando tenta encontrar algo existente apenas na tela do computador? Ninguém. É o embate real versus virtual, existência versus inexistência. Nas cercanias do virtual tudo está sempre em vias de inexistir e por isso há que se salvar o texto, a imagem, a música, o vídeo o quanto antes.

E o verbo salvar passa a substituir muitos outros como guardar, conservar, recortar, colar etc. Há que se salvar tudo a todo o momento para que não se perca em meio a milhões de megabytes e terabytes. Ou simplesmente o portal ou responsável pelo sítio na internet retire o conteúdo de suas prateleiras virtuais. E se não retire, efetue algumas podas, suprima determinadas partes. Do contrário… o que acontece com o que não é salvo? É condenado. Irremediavelmente condenado ao esquecimento. Porque na internet a verdadeira luta é sobreviver ao esquecimento e conservar um leve vislumbre de concretude, nem que seja apenas na memória.

Mas temos mais com que nos preocupar. Saber qual formato dos meios de comunicação em massa prevalecerá não é a preocupação mais importante. É inegável que os veículos de comunicação em massa possuem enorme influência em nossa cultura. E precisamos nos precaver para os abusos por eles cometidos. E não são poucos. Os problemas vão do simples ato de não conferir a informação ou não consultar a fonte primária, até distorcer completamente os fatos para causar as mais constrangedoras e cruéis conseqüências.

Fogo de palha

E quem não estiver satisfeito? Em vez do bispo, procure os tribunais. Nesse caso levam vantagem advogados, juízes, promotores e doutos juristas por saberem se utilizar dos trâmites e rigores da lei, ao contrário do cidadão comum, duplamente vítima: não só desconhece os seus direitos, como acaba sendo julgado, sentenciado e cumprindo a pena que lhe é imposta pelo tribunal-imprensa, esse que há muito faz uso do rito sumaríssimo: expõe, acusa e esquece.

E quando a imprensa julga e pune publicamente crimes que não se deu ao trabalho nem mesmo de investigar? O repertório invocado em sua defesa não comporta variações: a imprensa vale-se das ‘fontes’ (e do sigilo protetor que lhe é inerente) da mesma forma como o Santo Ofício mantinha em segredo a identidade dos informantes e, com gosto, lançava suas vítimas na fogueira.

Na Idade Mídia em que vivemos (acho que já saímos de sua antes-sala), alguns jornalistas se notabilizam por não respeitarem a privacidade alheia, e serem inconsequentes na divulgação de informações infundadas como se não tivessem consciência do sofrimento que levam a pessoas inocentes. Manipulam denúncias com provas falsas. Plantam notícias apara influir no debate político e no mercado de ações. Há um jogo de poder violento e não causa espanto o emergente balcão em que espaço por uma boa reputação são negociados.

O que podemos fazer? Recomendo quatro ações simples e ao alcance de qualquer de todos nós:

** desenvolver o senso crítico – conhecer opiniões divergentes sobre o mesmo assunto, pesar argumentos de uns e de outros, e se for necessário, pesquisar mais para então formar a própria opinião;

** tentar entender melhor como a imprensa manipula a opinião pública e evitar engrossar massas de manobra;

** observar a maneira utilizada pelos principais veículos de comunicação para noticiar determinados fatos. Isto inclui atentar para a cobertura concedida ao imprescindível ‘outro lado’;

** acompanhar escândalos-fogo-de-palha, aquelas ondas que prenunciam a fúria dos tsunamis, mas que nos dias e semanas seguintes mostram ser simples marolas: foram criados em cativeiro para atender essa ou aquela demanda editorial… ou político-partidária.

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Mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter